domingo, 22 de dezembro de 2013

Carlo Aldegheri: Uma merecida homenagem



1951 – Desembarca no porto de Santos, o imigrante italiano Carlo Aldegheri. Junto a sua bagagem, Carlo, com cerca de 50 anos, trazia uma intensa história de militância anarquista, desde sua atuação quanto objetor de consciência, em período correspondente a Primeira Guerra Mundial, participando de reuniões e debates anarquistas na França, participando de manifestações antifascistas, atuando junto a Milícia Alpina de Sabadell, em Aragão, na Espanha, nos embates contrários a investida nazifascista naquele país na chamada Revolução Espanhola, militância que lhe custou prisões, fugas e tiros. Preso em campos de concentração, conseguindo sobreviver graças a sua habilidade profissional de sapateiro. Aqui chegando, arruma trabalho, junta dinheiro e no ano seguinte desembarca no mesmo porto sua esposa e companheira Anita e sua filha Primavera. Desde sua chegada ao Brasil, manteve contato e colaborou com o movimento anarquista brasileiro, através do Centro de Cultura Social, de São Paulo, e Nossa Chácara, participando de reuniões e até mesmo financeiramente. Com o esforço de seu trabalho contribuiu, inclusive, com a doação de uma gráfica, junto a outros companheiros, e com a doação de um terreno na cidade do Guarujá, local onde morou desde os primeiros anos em que chegou ao Brasil. Ajudou também companheiros que passavam por necessidades pessoais, econômicas, entre outros. Outra colaboração de Aldegheri, foi a tradução e publicação do livro “Preanarquia”, do militante italiano e companheiro de Carlo, Randolfo Vella. Faleceu aos 93 anos de idade, no dia 04 de maio de 1995, na cidade do Guarujá. Faleceu crendo no anarquismo enquanto um ideal potencializador para uma sociedade mais justa, livre e humana, como ele dizia: “O anarquismo é uma luz no fim do túnel”.
2010 – Militantes anarquistas, que se encontravam dispersos na cidade do Guarujá, resolvem se aproximar, se reunirem, estudarem e debaterem textos anarquistas. Tem início o Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri, que após a leitura, análise, debate e reflexão de uma série de textos, seus militantes definem sua concepção anarquista de atuação e lança sua carta de apresentação apresentando suas propostas de atuação, principalmente, a difusão, propaganda e ação anarquista, junto a outros coletivos libertários e sociais e a abertura de uma biblioteca contando com o material acumulado por esses indivíduos com o passar do tempo.
08.12.2012 – Na cidade do Guarujá, é aberta as portas da Biblioteca Carlo Aldegheri. Esta biblioteca é resultado dos esforços e vontades somadas ao antigo sonho dos militantes do Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri, de tornar de acesso público os diversos materiais (livros, revistas, jornais, panfletos, etc.) adquiridos com o passar do tempo. Uma série de documentos obtidos através de compras, trocas, doações de antigos militantes como Edgar Rodrigues, Diego Gimenez Moreno, União Libertária da Baixada Santista, um rico acervo informativo, tendo em sua grande parte a temática anarquista em suas variações (ecologia, sindicalismo, feminismo, artístico, etc) mas contando também com materiais relacionados aos diversos assuntos como literatura, marxismo, contracultura, gênero, entre outros. Com esta biblioteca e este acervo objetivamos não ser apenas um espaço para pesquisas com fins acadêmicos, mas também, e principalmente, a formação política libertária dos/as indivíduos/as e coletivos que se interessem e buscam informações de uma perspectiva ácrata, já que há uma grande carência deste conteúdo temático na região em que estamos inseridos, além de compreendermos que a luta libertária é uma luta histórica, que vem se desenvolvendo com o passar dos anos, dos séculos, e desta forma não é uma luta solitária, mas sim uma luta solidária, que visa a construção de um novo mundo, de uma nova sociedade, para novos homens e novas mulheres, visando uma existência sadia, justa, humana e livre. Acreditamos que a Biblioteca Carlo Aldegheri, é um espaço de EMANCIPAÇÃO & LUTA, sendo o conjunto de nosso acervo, ser um verdadeiro arsenal para a desconstrução e destruição do Poder e de todos seus tentáculos, pois reconhecendo e refletindo as lutas do passado, e do presente, suas estratégias, conquistas e derrotas, além das artimanhas estatais e capitais, podemos criar novos métodos de ação e vivência visando a construção de um melhor futuro. O material que segue abaixo é uma justa homenagem ao militante Carlo Aldegheri que sempre teve no anarquismo seu norte, trazendo um pouco de sua história ao conhecimento daqueles que acompanham nosso blog e nossas atividades, além de acreditarmos, ser uma bela comemoração do que estamos conquistando com o Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri e ao aniversário de 1 ano da Biblioteca Carlo Aldegheri. Iniciamos com um texto dos/as companheiros/as Marcolino Jeremias e Liana Ferrerira, ambos integrantes do NELCA, intitulado “Anita e Carlo Aldegheri – um casal libertário” resultado de pesquisas e entrevistas, que teve sua publicação original na revista Letra Livre, n.? ano?, que em breve será incluída em uma publicação que estamos organizando para relembrar a trajetória anarquista de Carlo Aldegheri, que além do texto aqui apresentado contará de outros escritos sobre o Carlo e do próprio Carlo. Segue o texto “Carlo Aldegheri: dall Italia dal Brasile”, de Giorgio Sacchetti, publicado no periódico italiano Umanitá Nuova, n. 29 , anno 93, de 06 de outubro de 2013, onde além de apresentar uma breve biografia do Carlo, menciona o NELCA. E para encerrar, segue o prontuário de número 47.910, ou seja, a ficha policial de Carlo Aldegheri, localizado originalmente no Archivo Centrale Dello Stato, de Roma, documento este cedido pelo companheiro Nildo Avelino, membro de CCS/SP ao companheiro Marcolino Jeremias. Neste prontuário pode-se observar a intensa ação militante de Carlo Aldegheri, nos anos 30 e 40 do século passado. Inclusive se houver algum voluntário em traduzir este prontuário... já agradecemos antecipadamente.
No mais segue os sinceros votos de um próspero 2014 de Saúde, Luta & Anarquia!

Documento 1:

ANITA E CARLO ALDEGHERI – UM CASAL LIBERTÁRIO

Embora tenham tido uma trajetória extremamente relevante para o movimento anarquista, pouco se ouve falar sobre Anita e Carlo Aldegheri. São militantes que por muito pouco não acabaram ficando no completo esquecimento e anonimato, inclusive por parte dos próprios libertários...
É exatamente por essa razão, que o presente texto possui a tarefa de reconstituir a biografia militante desse ilustre casal e, ao mesmo tempo, prestar uma justa homenagem a esses bravos companheiros que entregaram-se por completo para a causa anarquista. Anna Canovas Navarro Aldegheri, ou simplesmente Anita como os amigos a chamam, nasceu em 3 de novembro de 1906, em Múrcia, na Espanha. Filha de Sebastiano Canovas e Rosaria Navarro, um modesto casal camponês que trabalhou muito para sustentar seus oito filhos. Por causa das dificuldades econômicas, Anita não pode freqüentar muito a escola e logo aos 12 anos começa a trabalhar em uma fábrica de tecidos, durante 2 anos.
Em seguida mudou-se para Sabadell, uma região próxima de Barcelona, e lá trabalhou por 18 anos, também como tecelã, em uma fábrica chamada “Sociedad Anónima Cancuadras” que era filiada à C.N.T. (Confederación Nacional del Trabajo), a maior organização operária da época, de tendência anarco-sindicalista. Foi nesta mudança de cidade, que Anita conheceu a pessoa que seria o seu companheiro por toda a vida.
Carlo Aldegheri nasceu em 22 de fevereiro de 1902, em Cadiero, na região de Verona, na Itália. Filho de Mose Aldegheri e Scartossoni Maria, um casal de lavradores que teve quatro filhos e cinco filhas. Ajudou seus pais no cultivo da terra e com 14 anos trabalhou para o governo italiano durante a primeira guerra mundial. Freqüentou pouco tempo a escola, pois também foi obrigado a dedicar-se ao trabalho.
Quando foi convocado para prestar o serviço militar obrigatório, Carlo atravessava uma época de muitas incertezas, porém, estava firmemente decidido que não queria ser um soldado, nem obedecer ordens e muito menos matar seus semelhantes. Foi essa convicção que o fez mudar-se para a França, onde se reuniu a outros objetores de consciência, que negavam se submeter aos mandos irracionais das autoridades.
Foi na região de Toulon que Carlo Aldegheri tornou-se anarquista, participando pela primeira vez de debates e reuniões libertárias.
Para sobreviver na França, sem dinheiro e com fome, começou a trabalhar como pedreiro, pintor e, por fim, como sapateiro – a profissão que adotaria para o resto de sua vida e que, posteriormente, lhe garantiria a sobrevivência.
Em julho de 1924, ao participar de uma manifestação antifascista em frente ao consulado italiano em Paris, Carlo Aldegheri foi atingido por uma bala disparada pelos guardas do consulado. A bala atingiu o pulmão de Carlo que mesmo caído, sangrando e quase sem consciência ainda era espancado pelos guardas italianos. Se não fosse pela intervenção da polícia francesa, Carlo Aldegheri teria morrido ali mesmo.
Após conseguir recuperar-se dos ferimentos, Carlo passou pelos cárceres de La Sainté e de Fresner (ambos em Paris), apesar de não ter cometido nenhum crime. Algum tempo depois, Carlo recebeu anistia por sua condição de preso político, porém, estava sob “Interdición de Localidad”, uma espécie de qualificativo de periculosidade e, portanto, era muito visado pelas autoridades locais.
É por essa razão que em 1932, ele mudou-se também para Sabadell, na Espanha, e no ano seguinte, Carlo conheceu Anita e sua filha Primavera. Eles viveram juntos durante três anos e, em seguida, registraram-se no civil.
Foi quando, em julho de 1936, iniciou-se a Guerra Civil Espanhola e os anarquistas, organizados na C.N.T. e na F.A.I. (Federación Anarquista Ibérica), lutaram com a mesma intensidade contra o avanço do nazifascismo e por uma revolução social verdadeiramente organizada pelos trabalhadores.
Era uma situação na qual não havia como omitir-se, de forma que, Carlo Aldegheri tomou parte nas frentes de Aragão, onde participava da Milícia Alpina de Sabadell.
Durante esse tempo, Anita continuou trabalhando na fábrica de tecidos e ainda cuidava de sua filha Primavera. Quando faltava matéria-prima para seu trabalho, por conta da fábrica, trabalhava como auxiliar em um pronto socorro, além de manter sempre contato com os sindicatos. Tanto que Anita viajou sozinha para Barcelona (já que Carlo estava participando das frentes de Aragão), para participar das manifestações do enterro do revolucionário Buenaventura Durruti, em 21 de novembro de 1936.
Com o fim da guerra civil, a família Aldegheri estava novamente reunida e tiveram que juntar-se à coluna internacional que estava fugindo para a França, com o objetivo de escapar da vingança fascista que começava a vigorar na Espanha.
Quando a família Aldegheri tentou passar pelo túnel que os levaria para a França, perceberam que só liberavam a passagem de mulheres, crianças e feridos. Como a família não queria separar-se novamente, Anita aproveitou que Carlo não tinha o dedo indicador da mão direita e improvisou um “curativo” que fez com que a família inteira conseguisse sair da Espanha.
Porém, ao chegar na França, na condição de refugiados, a família foi novamente afastada. Carlo foi enviado para um campo de concentração de refugiados. Anita teve que trabalhar em uma fábrica de material de guerra, além de cuidar de Primavera. Posteriormente, ela teve que trabalhar vendendo sapatos por conta própria, em uma fábrica de acordeão e, por fim, em uma fábrica metalúrgica onde produzia peças para carros. A maior parte dessas profissões eram muito desgastantes e mal remuneradas.
Já Carlo, havia sido transferido para o campo de Gairi, nos Alpes franceses e, em seguida, para a Chácara de Dunkerque, onde Carlo trabalhou cavando trincheiras e nas horas vagas como sapateiro. Quando os nazistas invadiram a França, os militares alemães tomaram a Chácara de Dunkerque e fizeram todos os refugiados caminharem à pé até a Holanda, Carlo nesta época já contava com 40 anos e teve muita dificuldade para concluir esse percurso.
Ao chegarem no porto de Rotterdan (Holanda), os refugiados foram embarcados para um campo de concentração alemão em Bratislava. Justamente nesse período, por causa de um acordo que Hitler fez com a Cruz Vermelha Internacional, Carlo Aldegheri conseguiu retornar para a França, onde viveu durante alguns meses em Reims, porém, acaba sendo extraditado para a Itália, onde esteve preso nos cárceres de Verona (por 40 dias), Gaeta (na província de Nápoles) e, por fim, na Ilha de Ventotene que fica no Golfo de Gaeta, Mar Tirreno. Foi nessa prisão fascista, que Carlo teve como companheiro de cela um socialista chamado Sandro Perttini, que posteriormente chegou a ser presidente da Itália.
Por volta de 1943, Carlo e outros prisioneiros da Ilha foram transferidos para um campo de concentração na província de Tresso, de onde Carlo conseguiu fugir arriscando mais uma vez a própria vida.
Ao retornar, com muito custo, para a Itália, Carlo retoma a militância anarquista através da Companhia de Libertação Nacional e, como era uma figura de destaque no Comitê de Verona, acaba sendo preso novamente, desta vez, no cárcere fascista de Bolzano, onde, segundo o próprio Carlo, “só sobreviveu por causa de seu ofício de sapateiro”. Carlo Aldegheri somente foi libertado dessa prisão alguns meses após o fim da segunda guerra mundial.
Todo esse martírio (que aqui contamos de forma bem resumida), durou longos nove anos e nove meses, até que finalmente a família pode reunir-se novamente.
Com muito custo, Anita e Primavera conseguiram vistos para Verona, na Itália, onde encontraram Carlo na residência de seus familiares. Durante o tempo em que viveram como refugiados, Anita escrevia para a família de Carlo para poder ter informações sobre ele, já que o contato direto entre Anita e Carlo era muito difícil por causa das circunstâncias.
Após o fim da guerra civil, Anita não conseguiu obter mais nenhuma informação sobre o paradeiro de sua família que ficou na Espanha.
Na Itália, a família Aldegheri começou a reconstruir sua vida. Anita voltou à trabalhar em uma fábrica como tecelã e Carlo continuou a desenvolver seu ofício de sapateiro. Foram cinco anos até que a família decidiu mudar-se para o Brasil.
Inicialmente, Carlo veio sozinho para o Brasil e chegou ao porto de Santos no ano 1951. Após muito trabalho, conseguiu enviar dinheiro suficiente para que Anita e Primavera se mudassem definitivamente para o Brasil. Mãe e filha chegaram ao porto de Santos em 14 de março de 1952.
Carlo e Anita se dedicaram à fabricação de calçados, principalmente sandálias para os turistas. Trabalharam literalmente dia e noite ininterruptamente, até conseguirem se estabelecer e fixar residência no Guarujá, onde construíram uma casa na Avenida Puglisi, 300 – fundos.
Em 1957, Primavera que havia se casado aos 19 anos retorna para a Itália, onde vive até os dias de hoje.
Desde que chegou ao Brasil, o casal procurou contato com os companheiros anarquistas e logo começaram a participar das reuniões e congressos na Nossa Chácara/ Nosso Sítio e do Centro de Cultura Social de São Paulo, onde (apesar da distância) eram sempre dos primeiros a chegar.
Com o êxito profissional, a família Aldegheri (que sempre teve uma vida extremamente simples e honesta), obtinha recursos financeiros que investiam em quantidade, sem hesitar, nas atividades promovidas pela Nossa Chácara e pelo Centro de Cultura Social.
Inclusive, a família Aldegheri chegou a comprar uma gráfica (em conjunto com outros três companheiros) e um terreno no Guarujá como doação para o movimento libertário. Além de ajudar até mesmo os companheiros que passavam por problemas econômicos pessoais. Para a família Aldegheri, o que tinha valor mesmo, era a solidariedade!!!
Isso tanto é verdade, que o nome Aldegheri pode ser facilmente encontrado nas listas de doações que foram publicadas no livro do escritor Edgar Rodrigues O Ressurgir do Anarquismo.
Ainda em 1963, Carlo Aldegheri reeditou o polêmico livreto “PreAnarquia – Sugestões Práticas Sobre a Organização da Sociedade Futura”, escrito originalmente em italiano, no ano de 1931, por Randolfo Vella e, nesta versão, foi traduzido para o português por Alexandre Pinto.
Randolfo Vella foi um anarquista italiano, companheiro de Errico Malatesta, que durante o tempo em que morou na Espanha, teve uma convivência muito próxima à Carlo e Anita e, pelo que consta, foi uma grande influência para o casal, além de grande amigo.
Carlo e Anita sempre foram anarquistas práticos, para eles não havia sentido em discutir a teoria anarquista, se não houvesse como realizá-la.
Para Carlo Aldegheri, “o anarquismo é uma luz que há no fundo do túnel”, é ser “contra a autoridade porque a autoridade cria despotismo, cria classe e cria injustiça. (...) É criar um mundo realmente de irmãos, não de hipócritas, como se vive agora sob o nome da democracia, onde se cometem todas as injustiças imagináveis, onde gente morre de fome trabalhando, enquanto poucos têm todas as riquezas”.
Carlo Aldegheri faleceu extremamente consciente de suas convicções anarquistas, aos 93 anos, no dia 4 de maio de 1995, devido uma parada cardíaca (entre outros problemas) e, no dia seguinte, foi enterrado, de uma maneira modesta (conforme sua vontade), no cemitério Jardim e Paz, no bairro do Morrinhos, em Guarujá.
Já Anita Aldegheri, aos 107 anos de idade, ainda vive no Guarujá, com boa saúde, extremamente lúcida e convicta de sua postura libertária. Anita ainda se lembra com carinho dos romances, escritos pelo anarquista Federico Urales, que leu durante a juventude na Espanha e que também lia durante o trabalho na fábrica para uma companheira que não sabia ler. Lembra também dos comícios em que ouvia os discursos revolucionários de Federica Montseny e Juan Garcia Oliver, assim como dos encontros na Nossa Chácara/ Nosso Sítio e no Centro de Cultura Social.

Marcolino Jeremias & Liana Ferreira


Documento 2: Umanitá Nuova, nº 29, anno 93, de 06 de outubro de 2013  



Documento 3: Prontuário de número 47.910



Acesse:

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Próximas atividades

As próximas atividades de difusão e propaganda libertária do Núcleo De Estudos Libertários Carlo Aldegheri têm início no próximo Sábado, 28 de Setembro de 2013, no qual haverá a palestra sob o tema: “Drogas, Prazer, Liberdade & Anarquismo”, a cargo do professor Antônio Carlos de Oliveira graduado em História pela PUC/SP, organizador do Arquivo do Movimento Punk (P.U.C.) & autor dos livros: “Os Fanzines Contam Uma História Sobre Punks” (Editora Achiamé) & “Projetos Pedagógicos – Práticas Interdisciplinares” (Editora Avercamp).






E, anote ai em sua agenda: 

Dias 30/09 e 07/10 (Baixada Santista) - No programa "Bem Estar Criança", no canal Net Cidade, canal 10 para os assinantes da Net digital ou 14 analógico, à 22h30, exibição de entrevista com o companheiro Marcolino Jeremias, do NELCA, falando sobre a redução da maioridade penal, anarquismo, cultura libertária, etc...;

Dia 18/10 - Palestra com Luiz Eduardo Santos, organizador do instituto Joana D'Arc & do 3G (Grupo Gay do Guarujá), sobre o tema: "Combatendo a Homofobia no Cotidiano", na Biblioteca Carlo Aldegheri;

Dia 02/11 - Atividade Cinema & Anarquia, na Cinemateca de Santos, com a exibição do documentário "Todo Fim é um Começo" (produção: Anarco filmes & Coletivo Cultive a Resistência, São Paulo, 2012, 68 min.), seguido de debate sobre a história & perspectivas do movimento anarco-punk em São Paulo e na Baixada Santista, com Zeca, Marina e Josimas.


Até então, estas atividades já estão confirmadas, outras ações e ideias podem aparecer, acompanhem e nos ajudem a divulgar e semear a cultura libertária !!!

terça-feira, 23 de julho de 2013

Nova Atividade: maioridade penal

Se liga, Baixada Santista! | No sábado, 27, às 18h, na Cinemateca de Santos, na Rua Xavier de Toledo, nº 42, Campo Grande, em Santos (SP), Tubarão Santos e ruivo Lopes, debatendo a questão: POR QUE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É UM CRIME CONTRA OS DIREITOS HUMANOS?, logos após a exibição do documentário "Juízo", sobre o sistema em conflito com a adolescência no Brasil. A atividade é gratuita e é promovida pelo Núcleo de Estudos Libertários Carlos Aldegheri. 




segunda-feira, 1 de julho de 2013

Antes de partir para uma barricada, é necessário uma ideia na cabeça!

Augustin Souchy Bauer (1892-1984) foi um militante anarquista alemão. Viveu na Suécia, Espanha, França, México, Cuba, entre outros lugares, desenvolvendo uma intensa militância anarquista em todos os países em que residiu, chegando a trabalhar com anarquistas como Rudolf RockerPiotr Kropotkin e Buenaventura Durruti
Iniciou sua militância atuando na União Socialista Libertária de Berlim (impulsionada por Gustav Landauer), em 1912, mesma data em que inicia sua colaboração na imprensa libertária.
Em 1914, durante a primeira guerra mundial, se refugia na Suécia, onde também é perseguido. Em Estocolmo, entre outros militantes socialistas, conhece Vladimir Ilitch Lenin.
Em 1917, no desenrolar da revolução russa, publica um folheto intitulado “A Ditadura & O Socialismo”, onde rechaça a idéia da ditadura como instrumento da revolução social. Em 1919, retorna para Berlim, onde torna-se um dos editores do periódico libertário Der Syndicalist (entre 1922-1933).
 Em 1921, viaja para a Rússia, como membro da União Livre dos Trabalhadores da Alemanha (F.A.U.D.), assiste (enquanto observador) a fundação da Internacional Sindical Vermelha (Profintern), onde conhece dirigentes bolchevistas como Karl Berngardovitch RadekGrigori Yevséievich ZinóvievAnatoli Vasilevitch LunatcharskiNikolái Ivánovich Bujarin, entre outros, que mais tarde serão assassinados por ordem de Iósif Vissariónovich Stalin. Nessa mesma viajem conhece Piotr Kropotkin, com o qual pode conviver durante alguns dias.
 Entre 1920/1921, participou da reorganização da Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T.), na qual atuou intensivamente até o advento do nazismo, quando se viu obrigado a refugiar-se na França em 1935.
 Em 1936, ao ter notícias sobre a guerra civil espanhola, Augustin Souchy, então com mais de 40 anos, foi voluntariamente lutar na Espanha. Participou da Confederação Nacional do Trabalho (C.N.T.), atuou nas frentes de batalha até ser ferido gravemente. Passou para a retaguarda, onde dirigiu o Serviço Internacional de Informação e Propaganda sobre o avanço do povo espanhol contra o totalitarismo fascista. Nesse período, publicou um dos seus livros mais conhecidos “A Semana Trágica em Maio” (ainda não lançado no Brasil), um dos poucos relatos de primeira mão, sobre as jornadas de Maio de 1937, na Espanha.
 Após a implantação da ditadura franquista na Espanha, Souchy passa para um campo de refugiados na França, até que em 1942, se refugia no México.
 Em 1948, se desloca para Cuba com a finalidade de participar ativamente no projeto anarquista naquele país. Em 1950, viajou para Israel, onde estudou os Kibbutzim (coletividades comunitárias) como experiência coletivizadora.
 No fim da década de 1950, realizou uma seqüência de conferências pela América do Sul com o intuito de alavancar o sindicalismo, chegando à passar pelo Brasil (Novembro de 1959), em evento organizado pelo Centro de Estudos Professor José Oiticica (C.E.P.J.O.), no Rio de Janeiro.
 Em 1962, a Editora anarquista Germinal (Rio de Janeiro), publicou o livro “O Novo Israel” de Augustin Souchy no Brasil. Em 1963, a Organização Internacional do Trabalho contratou-o como perito em educação.
 O militante português Roberto das Neves (que viveu no Brasil e foi fundador da Editora Germinal), conheceu Souchy, ainda durante a época da revolução espanhola, e sobre ele escreveu o seguinte: “Augustin Souchy (...) trocando com facilidade a pena pelo fuzil e vice-versa, segundo as exigências da (...) liberdade (...)”.
 Apesar de sua intensa militância anarquista em várias partes do mundo, e de seu extenso trabalho como periodista e escritor, pouco se conhece do seu pensamento e de sua obra no Brasil. Resolvemos divulgar o texto abaixo, pois o mesmo faz uma interessante análise do socialismo e da política internacional no período pós-segunda guerra mundial e entendemos que boa parte da reflexão de Augustin Souchy ainda tem muito a contribuir conosco nos dias atuais, inclusive, com as últimas manifestações que tem ocorrido no Brasil.


Que podemos esperar do movimento social ?

No movimento social existem, desde sua origem, duas tendências: uma acena aos trabalhadores a fim de que realizem sua emancipação através da sua intervenção e da sua ação direta coletiva; a outra pede ao povo seus votos em favor dos candidatos socialistas para que estes transformem, por vias parlamentares e legislativas, a sociedade capitalista em uma sociedade socialista. Também existe uma terceira tendência que aceita tanto a tática reformista como a revolucionária, segundo as circunstâncias. À primeira tendência pertencem os libertários e os anarco-sindicalistas; à segunda e terceira os marxistas de todas as escolas. A social-democracia alemã e os social-democratas de todos os países representam a ala moderada, os bolchevistas e os comunistas a ala radical do marxismo.
Depois da primeira guerra mundial, os socialistas tiveram a oportunidade de realizar as suas idéias. Os bolchevistas russos e os social-democratas alemães galgaram o poder em virtude de revoluções populares. Os ideais socialistas se condensaram em fórmulas concretas e as teorias começaram a se pôr em prática. Os governantes social-democratas e os comunistas elaboraram novas constituições e leis. Os comunistas russos pretenderam realizar uma obra completamente inovadora, estabelecendo a propriedade estatal da terra e dos meios de produção, no lugar da propriedade privada. Os social-democratas alemães limitaram-se a promulgar uma constituição democrática e a fixar garantias legais para o direito de organização e de greve, ampliando a legislação social em vigor. Nos anos posteriores, os partidos operários chegaram ao poder em alguns outros países, por meio de vitórias eleitorais. Em nenhum deles, porém, se atreveram a transformar o sistema capitalista em um sistema socialista. Limitaram-se a elaborar leis destinadas a promover o progresso social dentro da sociedade capitalista. O partido trabalhista da Grã-Bretanha tomou um caminho “sui generis”, criando uma legislação de seguro social que compreende a nação inteira e adotando, ao mesmo tempo, uma decisão parlamentar em virtude da qual o Estado adquiriu as grandes propriedades privadas, como o Banco da Inglaterra, as minas, as estradas de ferro e outras importantes indústrias, substituindo assim, em grande parte o capitalismo privado pelo capitalismo estatal.
Estas medidas tiveram como conseqüência uma certa alteração estrutural do Estado e da economia. O Estado liberal do século passado deixou de existir. Seu sucedâneo moderno é como se fosse um empresário econômico e comercial, assim como que uma organização de seguro social. A legislação social também foi adotada no clássico país do capitalismo privado, nos Estados Unidos, onde, sob a presidência de Roosevelt se legislou sobre indenizações estatais aos trabalhadores em casos de doenças, velhice e desocupação. É assim como certas reivindicações socialistas do século passado foram realizadas dentro do regime do capitalismo privado. As injustiças mais flagrantes foram atenuadas, o que tinha que dar como resultado que o descontentamento de certas camadas sociais também viesse a diminuir. Entre os defensores do capitalismo há elementos inteligentes que sabem dirigir o barco social com a habilidade de um piloto experimentado que sabe evitar os escolhos e as rochas perigosas e conduzi-lo para as águas tranqüilas da evolução pacífica. Graças a essa habilidade de manobra conseguiram manter o sistema do capitalismo privado, cujos alicerces ainda não estão profundamente abalados, não obstante as guerras e revoluções até hoje ocorridas.
Esse estado de coisas tinha que produzir forçosamente certas repercussões na mentalidade dos povos, criando determinadas disposições psicológicas na classe trabalhadora. O evangelho socialista perdeu grande parte do seu poder de sugestão. A situação político-social existente nos países orientais da Europa, com as chamadas “democracias populares” e o seu capitalismo estatal que oprime e explora as massas mais que o capitalismo privado, muito contribuiu para desacreditar a ideologia socialista em geral.
O sistema do capitalismo estatal criou uma ideologia totalitária que não permite qualquer oposição. Os sistemas de opressão e repressão são de uma brutalidade quase sem precedentes. Além disso, deu lugar a uma categoria de elites estatais, tal como na antiga Esparta. O abismo psicológico entre o Oriente e o Ocidente se alarga cada vez mais. A juventude da União Soviética não sabe o que é a liberdade; e as novas gerações dos países “democráticos populares” também não têm a oportunidade de se formar uma concepção da liberdade individual, educadas, como são, num espírito de submissão ao Estado nacionalista. A liberdade presenteada não pode ter valor, nem consistência e só as liberdades conquistadas pelo esforço consciente e voluntário realizam a dignidade do indivíduo.
Nos países ocidentais, onde o Estado apenas controla uma parte da economia, a mentalidade popular ainda não está inteiramente fundida no molde estatal, ainda há, felizmente, certa independência de critério. Os trabalhadores aceitam as vantagens do seguro social, porém, geralmente não se sentem submetidos perante o Estado patrão. Não vacilam em se declarar em greve contra o mesmo, quando os seus interesses de produtores assim o exigem, coisa inimaginável nos países totalitários, tanto por razões de força estatal, como pelos resultados de uma escravidão voluntária, conseqüência, por sua vez, de uma educação toda especial. Nos últimos tempos, os funcionários estatais em França, declararam freqüentes greves, assim como também os estivadores de Londres, não obstante a hostilidade do governo laborista contra essa medida. Nos Estados Unidos, a luta dos trabalhadores das vigas de aço, conduzida com o fim de conquistar pensão para a velhice, é um fato também sintomático. A pensão para a velhice constitui uma parte do programa do socialismo reformista. Não obstante, o movimento sindical é, na sua maioria, contrário a toda a idéia de estabelecer um regime socialista, limitando-se a lutar para obter melhores condições de vida dentro do capitalismo. Todas essas lutas demonstram que os trabalhadores dos países ocidentais têm mais possibilidades de adquirir vantagens sociais que os seus irmãos de classe nos países das chamadas democracias populares do leste europeu.   
As conclusões que desses fatos se derivam, são claras: a transformação da propriedade privada em propriedade estatal não elimina a exploração capitalista; o capitalismo estatal não proporciona aos trabalhadores melhores condições de vida, em comparação com o capitalismo privado. O antagonismo de classes, a existência de exploradores e explorados, é manifesta sob ambos regimes. O capitalismo estatal não fornece aos trabalhadores melhorias econômicas e ainda os priva de uma relativa liberdade de ação. Isto é uma prova flagrante de que a liberdade e o bem-estar formam um conjunto indivisível: uma não pode existir sem o outro.
Como conseqüência das más condições econômicas e da opressão política reinante nas “democracias populares”, observa-se certo pessimismo nos ambientes do movimento social proletário. As últimas eleições parlamentares na Áustria, Alemanha e Noruega foram terríveis derrotas para os comunistas. Os social-democratas conseguiram manter sua posição devido ao seu programa simplesmente reformista, que oferece vantagens inclusive à classe burguesa. Esse setor político já não vê no capitalismo o seu inimigo mortal e não sente o menor desejo de propagar uma verdadeira transformação da sociedade. Depois da segunda guerra mundial não houve revoluções surgidas dos povos. Todas as transformações efetuaram-se pelas autoridades, de cima para baixo. E essas alterações não afetam o regime capitalista no seu fundo social. A exploração capitalista trocou de formas, porém, continua mantendo a sua essência. O capitalismo aproximou-se do socialismo estatal e este absorveu os princípios do capitalismo. Ambos se entendem muito bem.
Não obstante, o socialismo livre continua conservando o seu valor revolucionário e transformador. O certo é que já não se pode conceber o socialismo como um sistema cerrado e perfeito, capaz de converter o inferno capitalista em um estado de coisas paradisíaco. O socialismo estatal é a corrupção das idéias socialistas. Nada se perderá quando as instituições opressoras se eliminam e quando o bem-estar geral aumenta sem o estabelecimento do socialismo estatal.
O processo emancipador da humanidade não se cumprirá com a criação de novas instituições estatais, e sim muito melhor, mediante a desconfiança nas autoridades estatais e nos dirigentes políticos profissionais. O socialismo libertário oferece fórmulas de solução singelas e concretas: controle direto e permanente da economia pelos produtores e consumidores; estrita e ininterrupta vigilância da vida publica por todos os cidadãos; iniciativa do povo em vez da intervenção dos governos.
A liberdade e o socialismo não são realidades que possam surgir de decisões governamentais. Devem ser conquistadas e vividas. Só florescerão e se desenvolverão se soubermos defendê-las diariamente, na criação e na luta.

Por Agustin Souchy,


A Plebe (São Paulo), 1 de dezembro de 1950, número 29, página 3.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

...e seguem as atividades...


PRÓXIMO SÁBADO - DO LUTO À LUTA !!! 
CONTRA A VIOLÊNCIA POLICIAL & ESTATAL !!! 

EVENTO NA CINEMATECA DE SANTOS COM AS MÃES DE MAIO – Dia 22 de Junho de 2013, Sábado, às 18 horas, na Cinemateca de Santos, Rua Xavier de Toledo, número 42, Bairro Campo Grande, Santos/SP. Exibição do Documentário: “Mães de Maio – Um Grito Por Justiça !!!” (Brasil, 2011, 32 minutos) + Palestra & Debate com representantes das Mães de Maio da Baixada Santista. 



ENTRADA GRATUITA !!!

FORTALEÇA A CULTURA LIBERTÁRIA !!!
COMBATA A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS !!!


sexta-feira, 3 de maio de 2013

Próxima atividade...


"Zero de Conduta"
O filme retrata às experiências escolares das crianças francesas baseadas nas memórias de Vigo sobre sua própria infância. Retrata um sistema educativo burocrático e repressivo diante do qual os estudantes empreendem verdadeiros atos de rebelião por vezes surreais, resultado de leituras libertárias da infância.


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Velhos textos...Novas Reflexões...

O Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri retorna com novidades em nosso Blog, em sua primeira publicação de 2013.
Voltamos ao trabalho de resgatar artigos históricos da imprensa anarquista brasileira e, desta vez, fizemos um levantamento de três textos, de épocas diferentes, escritos por militantes distintas/os, que abordam a questão da participação feminina nos meios anarquistas, assim como seus pontos de vista. Todos esses escritos, à sua maneira, abordam questões históricas e ideológicas de extrema importância em nosso entendimento.
O movimento anarquista começa a se organizar em São Paulo, a partir da publicação do periódico anarquista Gli Schiavi Bianchi em 1892.
O nosso primeiro texto foi escrito por volta de três anos após o surgimento do primeiro periódico anarquista paulista. Ele data de 1895 e foi publicado originalmente no periódico anarquista L’Avvenire, também em São Paulo.
Notadamente escrito por um militante anônimo e intitulado de “A Mulher e a Anarquia”, ele trata da (pouca) participação feminina nos meios anarquistas da época.
Algumas passagens chamam a atenção no texto: o autor, há 118 anos atrás, já reconhece a dupla jornada feminina na sociedade, ao trabalhar para sustentar a família e ao mesmo tempo realizar os afazares domésticos (reforçando que eles não são menos penáveis que o primeiro), destacando que a mulher suporta a parte mais pesada dos encargos sociais. No artigo, o autor conclui que a educação retrógrada que era oferecida à mulher, assim como as condições sociais e econômicas da época, eram os principais obstáculos para sua participação nos meios libertários. O autor incentiva uma maior participação feminina na luta anarquista, dizendo que quando isso acontece “(ela) ergue-se na primeira fila mais enérgica ainda que o homem”. Um texto bastante significativo sobre o assunto, que deve ser lido levando em consideração a cultura e o contexto social da época.
O segundo artigo foi publicado no periódico sindicalista libertário A Tribuna Operária (nome em protesto ao diário comercial A Tribuna), na cidade de Santos, conhecida na época como a Barcelona Brasileira, devida a intensa influência anarquista nas associações operárias dessa época. Escrito por uma militante chamada Iris, o texto trata da importante questão da organização dos trabalhadores, ressaltando que essa é a maneira mais eficaz para enfrentar problemas como as longas jornadas de trabalho, os baixos salários, a competição no mercado de trabalho, o desemprego, a miséria, a ignorância, entre outros males próprios do sistema capitalista.
O terceiro escrito foi publicado na primeira fase do periódico anarquista Ação Direta, no Rio de Janeiro, em 1929. A autora, Ida Fontes, durante o decorrer de todo o texto demonstra um profundo e impressionante conhecimento da ideologia anarquista, que pode levar muitas pessoas nos dias de hoje à rever certos conceitos. Comparando o individualismo anarquista com o coletivismo anarquista, um tema polêmico inclusive para os dias de hoje, Ida Fontes chega à conclusões que certamente surpreenderão muitas pessoas.
Desejamos uma boa leitura à todos/as companheiros/as, contamos que as pessoas façam comentários sobre os textos para contribuir no debate (consideramos que essa é a parte mais importante no resgate desses escritos históricos) e, informamos, que em breve vamos publicar outros textos da imprensa anarquista brasileira.
Avante com o livre debate sobre a ideologia anarquista !!!



A Mulher e a Anarquia
Na sociedade atual a mulher suporta a parte mais pesada dos encargos sociais.
Enquanto o homem luta e pena a fim de trazer para casa o necessário, à mulher incumbe todo o fardo dos trabalhos domésticos – que não são os menos penáveis – a isso se juntam todas as funções da maternidade e a responsabilidade de resolver um problema, as mais das vezes inextricável, gastar sem pedir fiado ou emprestado. E ainda acresce quando o salário do homem é insignificante, a necessidade de deixar o lar e procurar fora um trabalho mais ou menos remunerador.
Neste viver pungente e opressivo, um certo fanatismo se apodera dela e lhe faz aceitar com resignação a sua sorte; e se por vezes a revolta lhe sobe ao cérebro, este mercê de uma longa inação não resiste ao choque e a razão hesitante é inapta para seguir a reta linha da lógica.
Algumas vezes, contudo, heróica e sublime na sua revolta, exalta-se a sua cólera, com todos os sofrimentos, com todas as duras privações deste tanto tempo passadas, e vemo-la então erguer-se na primeira fila mais enérgica ainda que o homem.
Mas, geralmente, um grande desânimo a invade ao pensar no gigantesco esforço que é preciso tentar para demolir o edifico, cuja massa enorme a esmaga.
A essa que sabe quanto o governo da casa é dificultoso, horrorizá-la a expectativa de uma luta, cujo termo acha incerto e que, qualquer que seja o resultado, lhe parece dever agravar a sua miséria.
A sua visão, menos larga que a do homem, é de caráter imediato. Se o combate de amanhã lhe dá de causar a falta de pão em casa que lhe importa a abundância entrevista para depois de amanhã ?
O homem tem, pois, de atuar sozinho, sem o benéfico apoio, nas horas de fraqueza, de uma coragem igual no coração da sua companheira. Ainda mais, nesses momentos tem de lutar duplamente, contra si e contra a deprimente influência da sua querida amiga !
Ah, se soubesses, mulheres, que dor é a nossa quando após alguns anos e esforços para elevar a nossa alma à altura do nosso ideal, logo um nada, uma palavra destrói todo esse trabalho penosamente realizado e nos faz constatar a inanidade das nossas esperanças !
Porque é assim que amamos nós, os anarquistas.
É um despedaçar do coração para nós, ver-vos tão distantes e sentirmo-nos dissuadidos, pelo fato da vossa educação retrógrada, da ideal felicidade de uma confiança recíproca e de um comércio paralelo de idéias e de sentimentos.
Porque, na luta sem quartel, necessária para a realização da nossa comum felicidade, há de ser preciso empregar parte das nossas forças em trazer-vos a reboque e em vencer a vossa obstinação de ficar para trás ? É a política que vos aborrece ?
Mas não se trata de política; não se trata de modificar a forma do governo, de colocar este ou aquele no poder !
O nosso objetivo é mais vasto. O que nós pretendemos é a nossa felicidade, a vossa e a demolição de um edifício de preconceitos, de mentiras convencionais, de desigualdades flagrantes, de uma organização despótica e injusta que sobre vos pesa ainda mais que sobre nós e vos avilta, é a destruição da mentira que impera no lugar da verdade, é o desaparecimento desta vergonha – a prostituição, é o desenvolvimento do indivíduo na livre natureza pelo prazer de viver e de amar, é o advento da harmonia e do amor, sustentadas pela liberdade e pela confiança mútua.
E então, altiva e livre, igual ao homem, não já fêmea, mas mulher, tu serás, em toda a beleza da palavra – a sua companheira !
Queres isto ? Pois bem; sê conosco. 

Retirado do periódico anarquista “L’Avvenire” (São Paulo), 24 de Fevereiro de 1895, número 8, página 2.


 A Organização

Analisando detidamente o desenvolvimento que se vem operando em todos os ramos da atividade humana, desenvolvimento esse que só contribui em benefício de uma pequena parte, de indivíduos, convencer-nos-emos de que uma necessidade imperiosa se apresenta para que os trabalhadores procurem não obstar esse desenvolvimento, mas fazer com que ele não venha somente beneficiar uma pequena parcela dos humanos, mas sim a toda a humanidade.
O braço trabalhador diariamente está sendo eliminado, a ciência todos os dias apresenta novos processos sempre tendentes a proporcionar aos povos o modo mais fácil e menos fatigoso de obter o  necessário para o próprio sustento. Acontece, porém, que esses melhoramentos longe de vir beneficiar o povo, vem cada vez mais atirá-lo para a miséria.
O capital é quem deles se utiliza para realizar as suas especulações, promovendo a concorrência de braços que grandes e proveitosos lucros lhe traz, pois os trabalhadores reduzidos quase ao nada, sujeitam-se a todas as condições de trabalho mal remunerado e prolongado, vexames e insultos, tudo, enfim, suportam e aceitam, pois não querem morrer de fome; a desocupação e a falta de trabalho é triste, pois, traz como consequência a falta de pão para alimentar seus pequeninos filhos, a falta de teto onde abrigar a família, cuja, existência é cheia de privações de penas.
A grande maioria dos trabalhadores assistem com indiferença e impassibilidade a todo esse contínuo crescer da própria miséria, sem observar que esta todos os dias se acentua, e essa impassibilidade terá consequências bem funestas.
A continuar assim não tardará o dia em que a família trabalhadora reduzida a condição de besta de carga, nem sequer o direito de trabalhar terá, e por consequência tampouco o direito à vida.
Parecerão exagerados esses conceitos, mas assim não é, o regime capitalista dispõe de grandes elementos, que os trabalhadores cegos e ignorantes lhe entregaram sem perceber que estão entregando o punhal para as mãos do próprio algoz, para que o assassinem!!!
Ele criou uma infinidade de instituições e todos os dias inventa outras.
E os trabalhadores, ingênuos, inexperientes e tolos, para elas concorrem, dando-lhe vida, não percebendo que elas representam um instrumento de opressão nas mãos do capitalista. Um escritor já o disse, a exploração do capitalista está baseada na ignorância do proletariado, e é bem verdade; é na cegueira e no negro obscurantismo que impera entre os trabalhadores, que o abutre capitalista assenta o pedestal, e ele está convencido de que, enquanto os trabalhadores forem ignorantes, despreocupadamente poderá continuar no conforto e no bem estar, manda semear essa ignorância a mão cheia pelas instituições, tarefa essa que se torna muito fácil, pois têm sempre boa aceitação por parte dos trabalhadores.
Há um meio, há uma arma poderosa que esse triste futuro não se realize: meio e essa arma é a organização. Os trabalhadores organizando-se, reunindo as próprias forças podem se opor a todas as injustiças que contra eles se cometem: organizando-se, poderá ir obtendo todas as melhoras que as suas condições de vida exijam, como seja: aumento de salário e redução das horas de trabalho, que é incontestavelmente a conquista mais lógica que o proletariado possa fazer, pois ela, além de vir eliminar a concorrência de braços, assegura também uma vida mais humana pelo trabalho prolongado.
Organizando-se, enfim, os trabalhadores terão os mais benéficos e proveitosos resultados, pois no seio da organização se adquirem energia e altivez, e espírito da luta e da solidariedade, todas as boas qualidades, enfim, do homem perfeito consciente e preparado a lutar, para saber viver numa sociedade.
É necessário, pois, fazer tudo para a organização; é preciso difundir a sua necessidade, fazendo vibrar na alma do operariado cego, passivo e resignado o instinto associativo.
Não esmoreçamos neste sentido, todos nós que temos esses conhecimentos; dediquemo-nos a essa obra com constância e tenacidade, pois só assim não se apresentará um porvir para o proletariado, mas, ao contrario, um porvir de luz, de bem e de amor.

Por Irís, retirado do períódico libertário "Tribuna Operária" (Santos/SP), em 07/08/1909, número especial, p. 1.

   

“O Que É Preciso Dizer”

É preciso muita má vontade para afirmar que os anarquistas individualistas desejam ver os sindicatos fechados, os operários desorganizados, desunidos, entregues ao despotismo da burguesia. E digo que é preciso má vontade, porque não há ninguém que não reconheça o valor da solidariedade humana, a qual, sendo uma necessidade social, é também uma necessidade moral e satisfazendo-a o homem atende ao natural desejo de ser útil aos seus semelhantes, de prestar-se para alguma coisa.
Que os trabalhadores se unam e procurem com isso lutar contra a prepotência do patronato e coisa cuja conveniência ninguém discute. E nunca o individualista foi adverso a esse sistema de luta, como se pretende. Contra o que se insurge, o que procura defender-se, é contra a absorção da sua personalidade pelo ambiente trabalhista.         
Às vezes, os interesses da coletividade vão de encontro as convicções ideológicas do indivíduo. Colocado nesta conjuntura, o individualista sacrificará, sem hesitar esses interesses, conservará imaculada a integridade dos seus princípios, o coletivista pelo contrário, porá os interesses da coletividade, acima dos seus ideais. Este um dos pontos principais, o mais característico talvez, em que assenta a diferenciação de ambas tendências.
Aqueles que afirmam que o sindicalismo não tem a faculdade de absorver elementos nossos em detrimentos dos ideais, deveriam considerar melhor, os fatos de todos os dias. Quando no cérebro do anarquista se forma a idéia fixa de arregimentar massas, quando sente a necessidade de reunir um grande número de trabalhadores, a preocupação de conseguir adeptos o torna cego a tudo o mais. Ele vai pouco a pouco, insensivelmente, cedendo parte das suas convicções e da sua firmeza de propagandista ácrata. Primeiro, é para atrair associados para a organização desejada, depois para conservá-los, mais tarde para não os desgostar, e afinal, a coletividade inconsciente anula a unidade consciente, domina-a, deixando-a reduzida a uma condição deplorável.
Poderíamos citar inúmeros casos de anarquistas ou coisa que o valha, que tem impedido por toda forma a propaganda anarquista dentro do seu sindicato, por julgarem que este ficaria prejudicado com isso.
Estas coisas e outras semelhantes, fazem-nas aqueles que se deixam empolgar pela teoria que concede valor máximo ao número.
E os que não pensam como eles, os que pretendem que o ideal seja colocado acima de tudo, os que querem os sindicatos como escolas onde os trabalhadores adquiram noções que os tornem homens de proveito, conscientes do próprio valor e dignidade, e não como túmulos de idealismos nos que se enterrem vontades e caracteres, a esses se lhes move uma guerra absurda e se os combate sem lhes estudar os propósitos.
Já tive ocasião de me referir a diferença que existe, na prática, entre as duas correntes em evidencia, reduzindo a questão a uma simples operação aritmética.
Dizem os coletivistas: “a vários zeros reunidos basta pôr uma unidade a esquerda, isto é, a frente, para obter um milhão”. Dizem então os individualistas: “de acordo; mas no dia em que essa unidade faltar, o milhão tornará zero, até que entenda de aparecer outra unidade. E de acordo com o que essa unidade quiser o milhão se movimentará para um lado ou para outro, para a boa obra ou para a deletéria, tanto faz.”
Pensamos então: se em vez de um aglomerado de zeros, tivéssemos um conjunto de unidades o produto total aumentaria consideravelmente, teríamos no caso 1.111.111. E aqueles que teimam em ligar importância capital ao número aceitariam a evidencia de um lucro de 111.111 que não é quantia para desprezar.    
Mas não é isso o mais importante: o que importa saber é que no dia em que faltasse uma dessas unidades, o conjunto diminuiria, mas não deixava de existir. E mais ainda: que sendo 1.111.111 de cérebros a pensar em vez de um único, e havendo outras tantas vontades conscientes em ação em vez de um só, a obra conjunta deveria ser, forçosamente superior.   
Essa preocupação em desejar uma multidão anônima para dirigir, uma grande massa, sem vontade própria para orientar, é, perdoem-me a franqueza, uma reminiscência do espírito autoritário que herdamos dos nossos avôs, os conquistadores; é o ditador que dormita em nosso subconsciente e que despertará ao primeiro toque de rebate.
Nem sempre nos apercebemos desta verdade e atravessamos a vida a embalar em nosso seio uma víbora que morderá a consciência ao primeiro descuido, tornando-nos inimigos dos nossos semelhantes, perpetuadores de um estado de coisas que deve ser destruído.       
Não vale o argumento que já me foi apresentado, de que o sindicato “reprodução da humanidade em ponto pequeno” é uma orquestra, na qual cada músico tem a sua parte, mas a que é indispensável, o mestre para dirigir a harmonia do conjunto. 
A orquestra valerá sempre pelo valor individual de cada músico e se estes forem detestáveis o maestro não conseguirá nunca obter a harmonia desejável.
O maestro, a meu ver, é uma entidade de valor, sim, mas de valor igual ao de cada músico. O seu papel de harmonizar não pode de maneira nenhuma, ser considerado superior ao de interpretar. Mesmo porque, sem maestros e ainda sem orquestra, a Música não deixaria de existir. É até nas interpretações individuais que o espírito sente se arrebatar em elevados transportes, mergulhando no resplendor da verdadeira Arte.
Porque não dar a cada coisa e cada ser o seu justo valor? Porque elevar alguns aos píncaros de uma exaltação perigosa, e reduzir os mais a uma anulação deprimente?
Porque ao faltar o maestro, a orquestra deverá dissolver-se e cada músico arrumar para o canto o seu instrumento? Porque não poderá cada músico ser capaz de tornar-se um maestro quando a ocasião o reclamar?        
É isto que se pretende e que a cegueira de adversários que nos combatem sem querer deter-se ante os nossos propósitos, não deixa compreender, que cada individuo trabalhe com afã educando a sua mentalidade e a sua vontade para fazer de sua pessoa uma unidade consciente uma individualidade de valor. É que, dentro ou fora do sindicato, aonde quer que se encontre, mantenha de pé essa individualidade, a independência de caráter, a sua vontade regida apenas pelo raciocínio. Ninguém poderá contestar que uma coletividade composta de indivíduos desse proceder, seria uma coletividade superior.
Podemos citar fatos concretos: enquanto certos sindicatos formados por uma multidão amorfa de seres sem vontade própria e que não sabem o que tem a fazer porque não sabem o querem, aparecem e desaparecem como meteoros, dando luz fugaz e nem sempre brilhante e tantos outros que mudam de cor, de orientação, ao primeiro revés, nós vemos que naquelas agremiações aonde os associados são pessoas que aprenderam a pensar e agir por conta própria, aonde cada membro é uma vontade em vibração, acontece justamente o contrário. A União dos Operários em Construção Civil, por exemplo, vem mantendo através de vários anos uma norma de conduta que prova quanto diferem os conjuntos de homens mais ou menos conhecedores do que desejam, do que querem, dos que são formados apenas por um aglomerado de inconscientes sem personalidade.
Essa união tem resistido aos maiores embates da reação, tem visto os seus mais ativos militantes deportados, perseguidos, assassinados até. E os claros deixados por esses militantes tem sido preenchidos imediatamente, a entidade social tem continuado sempre a manter a atitude serena e firme de quem sabe para onde vai e que nada a fará desviar do caminho traçado.
Nós a temos visto ressurgir após as represálias, reduzida, com um número pequeno de sócios, mas sempre com relativa facilidade, certa do próprio valor e sempre moralmente forte. Por quê? Já o disse: porque os seus associados são em sua maioria indivíduos que não mantém, dentro da associação a mentalidade de ovelhas de rebanho a espera de um pastor que as dirija. Cada qual por si mesmo procura criar um “eu” muito seu, independente, que agirá dentro ou fora da organização operária, conforme as necessidades da luta, mas obedecendo sempre as concepções próprias, sempre manifestando o valor da própria personalidade.
E, felizmente, não é essa União a única associação operária que assim procede. Há mais algumas ainda, para gáudio dos que sonham com a verdadeira emancipação dos trabalhadores. 
Que os políticos e demais pescadores de águas turvas, considerem o valor das agremiações operárias pelo número de sócios, e o valor da mentalidade obreira pelo número de agremiações, sejam elas quais foram, explica-se. Mas que os anarquistas pensem da mesma forma, não se explica muito.
Para o anarquista, o sindicato poderá ser um meio de luta, mas não é o único meio, nem este o deve absorver.
Quando a ação dos anarquistas nos sindicatos não se possa fazer sentir na propagação dos seus ideais, única mira que os pode ai levar, é razoável que eles se afastem e vão procurar outro campo apropriado.
Sindicalismo e anarquismo podem andar unidos e assim deveriam andar sempre, para bem dos trabalhadores. Mas é preciso reconhecer que não são a mesma coisa. E quando o anarquista tiver que optar por um deles, seria lógico que optasse pelo anarquismo, não lhes parece?
Reunião de valores? Solidariedade entre pessoas afins para a conquista de um ideal comum? De pleno acordo. Mas arregimentação de massas inconscientes, formação de pobres rebanhos que não pensam nem sentem senão através de um pastor, seja este embora o mais bem intencionado dos anarquistas, não, tenham paciência, isso não é obra anárquica!
                 
Por Ida Fontes, retirado do periódico anarquista “Ação Direta” (Rio de Janeiro), 10 de Janeiro de 1929, número 3, página 2.