sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Leituras e resenhas


INFORMAÇÕES:
Título: ANARQUISTAS NO SINDICATO – Um debate entre Neno Vasco e João Crispim
Autor: NENO VASCO e JOÃO CRISPIM
Editora: BIBLIOTECA TERRA LIVRE & NÚCLEO DE ESTUDOS LIBERTÁRIOS CARLO ALDEGHERI
Idioma: português
Encadernação: Brochura
Dimensão: 18 x 11,5 cm
Edição: 1ª
Ano de Lançamento: Novembro 2013
Número de páginas: 110
Preço: R$20,00
 

Abaixo segue uma resenha do livro feita pelo companheiro Antônio Carlos de Oliveira, membro do Centro de Cultura Social, de São Paulo (CCS/SP), texto este que foi solicitado pelos membros do NELCA. Aos interessados em adquirir o livro, entre em contato: nelcarloaldegheri@gmail.com


ANARQUISTAS NO SINDICATO[1]. Uma revisão necessária!

"As divergências entre libertários tem que ser cordiais. Cada militante deve ter a sua própria personalidade, apresentar os problemas como melhor interpretar, mas disposto sempre a corrigir erros e retificar sempre que se demonstrar o equivoco e a falta de razão. O não compartilhar da opinião dos demais, não estar de acordo com fulano ou beltrano não justifica tirar o corpo e não contribuir com a parte que lhe corresponde na hora de meter o ombro na obra comum" (Fragua Social, nº 24, 10/80 de Jose Hiraldo).
A citação anterior foi uma das primeiras coisas que me veio a mente com a leitura da obra “Anarquistas no sindicato”, o quanto que apesar de Neno Vasco e João Crispim divergirem sobre como deveria ser a atuação dos anarquistas e o papel dos sindicatos, ainda assim, apesar de serem um pouco mais ácidos um com o outro, foram respeitosos e mais, generosos durante todo o debate que se seguiu em jornais sindicais ou anarquistas daqui e do exterior.
Na década de 80 frequentando o Centro de Cultura Social tomamos contato com essa e outras questões desconhecidas e até um tanto “polêmicas” que existiam no interior do movimento anarquista.
Na época questionamos o Jaime Cubero e o Antonio Martinez sobre questões como por que alguns se denominarem libertários ao invés de anarquistas, depois quando organizamos a Liga de Trabalhadores em Ofícios Vários de SP porque a diferença entre anarcosindicalistas e sindicalistas revolucionários.
O Jaime nos explicou que os anarcossindicalistas preconizavam a ação dos militantes anarquistas dentro dos sindicatos para a organização dos trabalhadores para luta por conquistas no campo econômico, o que não diminui sua luta política, mas também para ampliar seu nível de consciência revolucionária e mais, entender essa luta como parte do processo de construção para uma nova ordem social. O ápice dessa luta poderia, por exemplo, ser uma greve geral que culminaria com a organização dos trabalhadores dentro dos seus locais de trabalho caminhando para a autogestão da produção e consequentemente associados a outros trabalhadores também, como formas diferenciadas de autogestão em nível de consumo eliminando o papel do atravessador e do patrão.
Nessa concepção os anarquistas não entendiam o sindicato como parte do movimento anarquista organizado e para evitar maiores resistências não se auto proclamavam publicamente anarquistas, algo inclusive desnecessário uma vez que para além de serem identificados com rótulos deveriam se preocupar em ser reconhecidos pela força e coerência de suas ações.
Segundo ele os sindicalistas revolucionários defendiam que os anarquistas deveriam organizar sindicatos ou influenciar esses para que adotassem as formas de organização e luta dos anarquistas, ou seja, os sindicatos deveriam ser parte do movimento anarquista, utilizariam os mesmos princípios de organização e luta do movimento anarquista organizado.
O tema é polêmico e ambos o reconheciam, mas, também, disseram isso nunca foi impedimento para a ação dos anarquistas nos sindicatos e para que mantivessem para além dessa polêmica, relações de militâncias cordiais e respeitosas, o que nos leva as palavras de Anselmo Lorenzo.
"Vamos procurar aproximarmo-nos mais e entendermo-nos melhor, mesmo que não seja para seguir o mesmo caminho, coisa que nem sempre é possível, mas pelo menos pa­ra chegar ao mesmo tempo e o mais depressa possível ao ponto a que todos nos dirigimos” (Proletariado Militante, Anselmo Lorenzo)[2]
Além da Liga o próprio CCS era um espaço aberto ao publico sem filiação partidária[3], nele pessoas ligadas a diferentes religiões e posições politicas foram convidados para falar, era um espaço publico parte da sociedade civil, mantido e animado por anarquistas.
As paginas dessa obra onde foram tão bem selecionados que os artigos sobre as diferentes posições desses dois grandes militantes anarquistas me levaram a outra recordação colocada na citação que segue:
"... Ainda que seja preciso cercar as obras que eles nos legaram com todo o respeito que elas merecem, creio ser necessário fazer uma triagem impiedosa nos teóricos anarquistas do século passado. E lançando sobre seus textos um olhar diferente daquele do asceta que seremos mais fieis a eles. Uma tarefa urgente, visto que a linguagem que eles empregavam perdeu seu conteúdo original e que e necessário reinventa-la para se fazer compreender pelo homem do século XX agonizante" (pag 08, Reflexões sobre a Anarquia, Maurice Joyeux, Terra Livre e Archipelago, SP. 1992)
Quando a falácia da luta entre capitalistas e comunistas autoritários, que apesar das aparentes diferenças eram absolutamente iguais, segundo os capitalistas foi vencida por eles, os mesmos criaram a ideia “do fim da historia”, do fim da luta de classes o que nunca foi aceito pelos anarquistas, assim, reconhecida a falácia que tantos como Bakunin, Kropotkine, Malatesta e outros por tanto tempo anunciaram, uma enorme tarefa se coloca a nossa frente, o resgate dos documentos e depoimentos daqueles que nos legaram historia do movimento anarquistas no Brasil.
Ao contrario do que a historiografia comprometida com seus interesses de classe ou políticos que negaram ao anarquismo seu verdadeiro papel na historia, tentando caracteriza-lo como “planta exótica” trazida por estrangeiros arruaceiros, ou corrente politica utópica no seu sentido mais negativo como algo irrealizável que pouco fez no Brasil, sendo praticamente extinto ainda na década de 20 do século, ou igualmente correto, no milênio passado.
E como afirma Joyeux e como muito bem faz essa obra é com vontade redobrada de colocar em dia as versões mais coerentes da historia do anarquismo que precisamos dar voz aos militantes do passado, trazer a luz sem negar ou escamotear as dificuldades, polemicas, contradições, erros, bem como as convergências, a solidariedade, a cumplicidade, o ato assertivo, a influencia positiva que os anarcosindicalistas e sindicalistas revolucionários causaram em diferentes aspectos da politica, economia, cultura, etc.
Dessa forma é que manteremos vivo e homenagearemos aqueles que dedicaram sua vida a militância anarquista, afinal o anarquista é o único que não espera redenção divina, reconhecimento intelectual ou satisfação econômica com sua ação, luta porque sabe que lutar é a única opção coerente com o ideal que abraçou.
Também merecem parabéns os companheiros da Biblioteca Terra Livre de SP e o Núcleo de Estudos Libertários Carlos Aldeghieri do Guaruja por essa importantíssima iniciativa, sem duvida estão comprometidos com o resgate e a difusão da historia do anarquismo.
Essa é uma das obras que nesse momento merece ser mais que lida, estudada para que outras versões menos coerentes não venham diminuir o valor e a importância da vida e obra de seus autores.

Antonio Carlos e Oliveira – Historiador e Professor de Historia. Dez 2013




[1] ANARQUISTAS NO SINDICATO. Um debate entre Neno Vasco e João Crispim. Biblioteca Terra Livre e Núcleo de Estudos Libertários Carlos Aldeghieri. SP e Guarujá. 2013.
[2] Poucos dias depois veio o Martins com um papel onde estavam algumas citações sobre a questão das relações entre os anarquistas entre essas a de Jose Hiraldo e a de Anselmo Lorenzo.
[3] Jose Oiticica afirma que os anarquistas enquanto parte de um todo são também uma forma de partido politico, contudo, sem os mesmos objetivos e estratégias para chegar ao controle do poder.

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