O pintor de
cenários Gigi Damiani (1876-1953), de origem italiana, iniciou sua militância
anarquista ainda no seu país de origem.
Chegou
ao Brasil entre 1889/1890, juntamente com Giovanni Rossi (1856-1943) e
outros imigrantes para fundar a Colônia Cecília (um projeto experimental de
convivência comunitária, orientado pelos princípios do socialismo libertário,
que tinha como objetivo comprovar a praticabilidade do anarquismo), no município
de Palmeira, estado do Paraná. A Colônia Cecília
existiu entre 1890-1894.
Após a sua
passagem pela Colônia Cecília, Gigi Damiani tornou-se diretor do jornal Il Lavotero (Paraná, 1893) e colaborou
com o jornal paulista Il Risveglio,
periódico que tinha como subtítulo: “Organo
Del Partito Anarchico”. O que
obviamente não se tratava de
um partido eleitoral ou parlamentar, e sim de um grupo de ação organizada,
dentro da visão de atuação anarquista segundo militantes clássicos como Mikhail
Bakunin e Errico Malatesta.
Damiani ainda
contribuiu com as seguintes publicações: O
Despertar (Curitiba, 1904) e La Battaglia
(São Paulo, 1904, do qual chegou a ser diretor em 1912). Em 1908, mudou-se para
São Paulo e integrou o grupo redator do jornal A Terra Livre. Após o final do jornal La
Barricata (1913), Gigi Damiani colaborou com o jornal
anarquista A Plebe (São Paulo, 1917),
que chegou a ser diário. Participou do Comitê
de Defesa Proletária da Greve Geral de 1917, na cidade de São Paulo, e pelo
seu envolvimento com as causas operárias acabou sendo preso e expulso do Brasil
em 1919. De volta à Itália, continuou a sua militância, ao lado de anarquistas
como Errico Malatesta e Luigi Fabbri, até os seus últimos dias publicando os
jornais Fede, Guerra Sociale e Umanitá Nova
(semanário que existe até os dias de hoje), do qual chegou a ser diretor.
Nesse texto que
agora resgatamos, Gigi Damiani escreve com a maturidade de seus 70 anos de
idade, e com a experiência de mais de cinquenta anos dedicados à militância
anarquista. Fala sobre a sua visão de anarquismo, completamente abrangente e
contrária a qualquer sectarismo, que muito vai ao encontro do anarquismo
difundido pelo Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri (NELCA).
Esperamos que
gostem do texto e qualquer dúvida ou crítica, por gentileza, entrem em contato
conosco, ok?
“Anarquistas & Anarquismo”
O
ponto de vista comum em torno do qual todos os anarquistas estão de acordo,
porque reagrupa todas as tendências do anarquismo, por mais variadas que sejam,
é aquele que conduz à mesma meta e que se caracteriza no fato de se manter o
movimento anárquico com uma feição que o distingue de todos os outros
movimentos político-sociais: a concepção de um futuro para a humanidade que
exclua todo princípio de autoridade, de domínio e de exploração do homem pelo
homem.
O
anarquismo pode ter tendência individualista, comunista e genericamente
socialista; cristão primitivista; referir-se ao marxismo da primeira hora; ser
ativista, revolucionário, educacionista; pode aceitar ou repelir o fator
violência, especializar-se no maltusianismo ou no vegetarianismo; mas no seu
complexo tende a uma única finalidade: a independência moral e física do
indivíduo, reforçada e não diminuída pela prática da solidariedade entre todos
os seres humanos, próximos ou distantes.
O anarquismo pode ser filosofia e ciência
político-econômica, sem cair no dogmatismo; simples especulação idealista ou
fundamentalmente prático em suas atitudes fora de qualquer ação impositiva;
pode apegar-se ao materialismo histórico ou apelar para as forças morais e
considerar o sentimento como fator mais eficaz para libertar o homem da
incompreensão em que se debate; pode dizer-se ateu, agnóstico ou divagar em
hipóteses espiritualistas; mas conserva a sua idoneidade quanto a necessidade
de combater todo e qualquer princípio de idolatria estatal, conformista e de
monopólio econômico. É antiautoritário e antitotalitário em todas as
circunstâncias.
A perene vitalidade do anarquismo e a sua constante
atualidade, critica e impulsionadora, deriva justamente das suas múltiplas
manifestações sempre atuais nos diversos meios ambientes em que a sua
propaganda se desenvolve.
O anarquismo propõe, não impõe; e na variedade das suas
exteriorizações do pensamento, de critica e de ação canaliza todas as diversas,
mas não inimigas, modalidades para o mesmo fim; aquele em que a anarquia se
divisa fundindo todas as liberdades em um cadinho único, no fundo do qual se
queimam todos os prejuízos da velha estrutura econômica e social que não pode
reger-se sem a prática da exploração do homem pelo homem e que assenta os seus
pilares na escravidão e na ignorância.
# Por Gigi Damiani, publicado no periódico anarquista A Plebe (São Paulo) em 15 de Dezembro de
1947, Número 11, Ano 31 (Nova Fase). Posteriormente incluído no livro
"Anarquismo – Roteiro De Libertação Social" de Edgard Leuenroth,
Editora Mundo Livre (Rio de Janeiro), Agosto de 1963, primeira edição. Segunda
edição pela Editora Achiamé em colaboração com o Centro de Cultura Social de
São Paulo, em 2007.