segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Longe do virtual... Próximo do real


Distantes de nosso blog por um longo tempo, retornamos, informando que essa distância foi em decorrência de ações práticas, ações estas visando uma melhor atuação para a propagação e difusão do ideário ácrata, estreitando os laços de contato e, assim, divulgando o anarquismo em diferentes locais.
No mês de agosto, no dia 18, distante da região litorânea, o Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri migrou cerca de 450 quilômetros, para a cidade de Bauru, onde em conjunto com os/as responsáveis pelas atividades do Cine Extinção foi exibido o documentário “Viver a Utopia” (1997), documentário este que trata da história da Revolução Espanhola, a partir da memória de militantes anarquistas, que vivenciaram e participaram daquele momento histórico. Seguindo a prática da sessão “Cinema & Anarquia” que realizamos na Baixada Santista, ocorreu uma rápida exposição seguida de debate, sendo apontada a importância da memória histórica em relação à Revolução Espanhola tendo nesta prática a reflexão e criação de perspectivas futuras, compreendidas a partir dos erros e acertos daquele evento histórico. A sessão contou com a presença de um público considerável e empolgado com as idéias libertárias, que participou ativamente do debate.


No dia 30 de setembro de 2012, aconteceu em Santos a primeira Marcha das Vadias da Baixada Santista, que contou com o apoio e a participação do Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri.
O nome curioso para alguns e ofensivo para outros, na verdade surgiu como uma resposta sarcástica ao discurso de um policial que, em uma palestra sobre segurança na Faculdade de Direito “Osgoode Hall Law School” (Canadá), disse que as mulheres deveriam evitar “se vestir como vadias” para que não fossem vítimas de violência sexual. A declaração gerou uma onda de revolta, que culminou na primeira Marcha das Vadias, ocorrida em Toronto, em 3 de abril de 2011. De lá, o movimento rapidamente se espalhou por todo o mundo, com Marchas em lugares tão diferentes entre si quanto Austrália e Índia. No Brasil, a primeira Marcha das Vadias aconteceu em São Paulo, no dia 4 de junho de 2011.
Na Baixada Santista, o movimento que se definiu como feminista e apartidário, teve como objetivo protestar contra as agressões físicas, psicológicas, sociais, culturais e morais as quais as mulheres são submetidas todos os dias, ressaltando que, em muitos casos, as próprias mulheres acabam sendo culpabilizadas por toda essa violência machista e sexista da qual, na verdade, são vítimas.
A concentração aconteceu na Praça da Independência, no Gonzaga, e caminhou pela avenida principal da orla da praia (bloqueando o trânsito dos automóveis) até o Parque do Emissário, no José Menino, onde terminou com alguns discursos. Durante toda a manifestação houveram discursos através de um carro de som, músicas e palavras de protesto, além de muitas faixas, cartazes e panfletagens.
A primeira Marcha das Vadias da Baixada Santista, reuniu entre 100-150 pessoas e também conseguiu chamar a atenção de vários meios de comunicação da região, que registraram o evento.
Alguns vídeos estão disponíveis na internet, aqui estão dois vídeos: 




Em 8 de novembro, o Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri, subiu a serra, para participar do Colóquio Internacional “Educação Libertária: 100 anos da Escola Moderna de São Paulo”, atividade que foi realizada na Faculdade de Educação da USP e organizada pelos/as companheiros/as da Biblioteca Terra Livre. Participamos do debate Grupos de Estudos como Práticas de Auto-Formação e Militância, participaram junto a nós deste debate os/as companheiros/as dos seguintes coletivos: Ativismo ABC (Santo André), Biblioteca Terra Livre (SP) e Grupo de Estudios José Domingo Gómez Rojas (Chile), o debate foi precedido da palestra do professor Antônio Romera Valverde, intitulada: Autodidatismo: Teoria e prática de Educação Anarquista. Em nossa exposição apresentamos nossa proposta de estudos, nossas preocupações, motivações e experiências que nos levaram a formação do nosso núcleo de estudos e as perspectivas da nossa prática. Houve um grande público, mas infelizmente uma pequena participação do mesmo durante o debate. 


Sendo a anarquia considerada por muitos uma utopia, para nós anarquistas essa significação de utopia resume-se na concepção de que nossos sonhos e projetos são necessários, pois são eles os combustíveis que alimentam e fortalecem nossos desejos, são através deles que podemos pensar, buscar e criar uma nova realidade, em outras palavras, eles são necessários para uma nova criação de nossa existência.
Partindo desta concepção, desde o mês de outubro, o Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri vem materializando um velho projeto de todos/as envolvidos/as, que estavam dispersos/as e em locais diferentes e talvez até distantes, mas que ao se encontrarem, ao se organizarem, ao se identificarem tornou-se realidade. Foi com grande prazer e contentamento que localizamos e alugamos uma pequena sala, que é nossa sede e nela está também nossa Biblioteca, visando atender aos pesquisadores, militantes, interessados e curiosos, enfim, está aberta visando propagar e difundir o anarquismo, mantendo suas portas abertas nos momentos de atividades para todos/as, sejam anarquistas ou não.
No dia 14 de novembro, houve uma pré-inauguração da Biblioteca Carlo Aldegheri, com convites limitados apenas para as pessoas mais próximas de nosso projeto, devido nossa Biblioteca encontrar-se ainda em fase de mudança e organização. Neste pequeno evento houve palestras ministradas por um companheiro do grupo Henry Poulain (França) e por outros dois companheiros do Grupo de Estudios José Domingo Gómez Rojas (Chile), onde os mesmos discorreram sobre a história do anarquismo e sua contemporaneidade nos devidos países. Foi um evento bem interessante, onde além de conhecer um pouco mais a trajetória do anarquismo no Chile e na França, também nos foi possível obter informações precisas das atividades anarquistas atuais em ambos países, trocar experiências concretas (tanto em contextos similares, quanto em contextos distintos ao nosso) e estreitar ainda mais o contato com os/as companheiros/as. Vale mencionar que estes companheiros/as foram convidados/as a conhecer nosso espaço e realizar suas falas devido à passagem dos/as mesmos/as no Brasil em decorrência da realização da 3º Feira Anarquista de São Paulo.


Em 8 de dezembro, finalmente, foi com grande contentamento que materializamos nosso antigo projeto, com a inauguração da Biblioteca Carlo Aldegheri. Visando ser um espaço de socialização de ideias e experiências, difundindo os ideários libertários e assim buscando possibilidades de transformação da realidade, refletindo as preocupações sociais numa perspectiva ácrata, sendo ao mesmo tempo, um local de estudo da história, filosofia, sociologia, literatura e cultura anarquista, um local propício para a formação de novos/as militantes e para o aperfeiçoamento de seus próprios membros e demais militantes que já estão na luta. A inauguração contou com a presença de companheiros/as de São Paulo, São Vicente, Santos e Guarujá (estiveram presentes companheiros/as da Biblioteca Terra Livre, do Centro de Cultura Social de São Paulo e da Rádio da Juventude de São Vicente), que puderam presenciar a brilhante palestra ministrada pelo companheiro Sérgio Norte, intitulada “Muito prazer, Anarquia!”, em que discorreu traçando a trajetória das diversas atuações libertárias em distintos momentos históricos, sendo uma ótima introdução sobre o saber e viver anarquista. Abaixo deixamos o link do áudio dessa palestra, que foi gravada pelos/as companheiros/as da Rádio da Juventude e aqui postamos para socializar a experiência com aqueles que estiveram ausentes:


Agora que 2012 vêm chegando aos seus momentos finais e, sendo assim, 2013 será um ano que almejamos seguir na nossa luta e desenvolver uma série de atividades, as mais diversas possíveis (como mostra de filmes, palestras, cursos, além de outras...) e tendo agora a Biblioteca Carlo Aldegheri como um instrumento e espaço a mais como forma de ação e expressão anarquista, sendo assim, convidamos a todos/as interessados/as a se solidarizar, participar, colaborar e atuar junto conosco, pois é caminhando juntos que poderemos ser e formar homens e mulheres novos/as e assim alcançarmos o tão sonhado Mundo Novo. No mais, SAÚDE & ANARQUIA!

Informamos que em breve retomaremos a postagem de novos “velhos” textos.    



quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Inauguração Biblioteca Carlo Aldegheri

 
Dia 08 de Dezembro de 2012, às 17:30 horas, Inauguração da Biblioteca Carlo Aldegheri, na cidade de Guarujá (São Paulo), Rua Luiz Laurindo Santana, Número 40, 1º Andar, Sala 1. PARA QUEM VIER DE SANTOS OU OUTRAS CIDADES: É só atravessar a Balsa de Santos (Ponta da Praia – Ferry Boat) para o Guarujá. Pegando a Avenida Principal (Avenida Adhemar de Barros), ir até o Posto de Gasolina Shell. Do lado desse Posto está a Elétrica Aurora. A Biblioteca fica em cima da Elétrica Aurora. MAIS: Palestra do Companheiro Sérgio Norte intitulada "Muito prazer, Anarquia!". falando sobre as Idéias Anarquistas !!! Fortalecendo & Difundindo A Cultura Libertária !!!
ATENÇÃO: Não precisa pegar ônibus do lado do Guarujá !!!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Luta de Classes Ou Ódio Entre As Classes ?

Esse texto pouco conhecido do ilustre anarquista italiano Errico Malatesta (1853-1932), aborda sua visão sobre a questão operária e a luta de classes, diferenciando essa do ódio entre as classes sociais. Esse artigo causou muita polêmica na época em que foi escrito e, sendo ainda hoje, uma questão que causa muita discussão nos meios libertários, talvez ajude no debate atual sobre esse assunto. Leiam & Reflitam & Comentem !!!

"Povo & Proletariado – Luta de classes ou ódio entre as classes?"


 ERRICO MALATESTA

Eu pronunciei, na presença dos juízes de Milão, algumas palavras sobre a luta de classes e sobre o proletariado, palavras que tiveram a virtude de suscitar críticas e exclamações. Acho conveniente dizer mais alguma coisa sobre o assunto.
No tribunal protestei indignadamente contra a acusação que me faziam de “eu ter incitado o povo ao ódio”. Expliquei, então como na propaganda das minhas idéias tinha procurado sempre demonstrar que os males sociais não dependem da malvadez deste ou daquele patrão, deste ou daquele governante, mas sim da instituição do próprio patronato e do governo, e que, portanto, não se podem remediar os males mudando as pessoas dos dominadores – o que é necessário é destruir o principio da dominação do homem pelo homem. Afirmei também que sempre tinha insistido no fato de que, pessoalmente, os proletários não são melhores do que os burgueses. E a prova é que quando por qualquer circunstância um operário consegue atingir uma posição de riqueza e de mando, se conduz geralmente como um burguês ordinário e dos piores.
Essas declarações foram adulteradas, confundidas e publicadas na imprensa burguesa; e compreende-se muito bem que assim tinha sucedido. A imprensa subvencionada para defender os interesses da política e dos tubarões tem por dever de ofício de esconder a verdadeira natureza do anarquismo, dando credito à lenda do anarquismo odiento e destruidor. E faz isto por exigências do ofício. Devemos convir, porém, que amiúde procede assim, de boa fé, por pura e simples ignorância. Desde que o jornalismo, que foi um sacerdócio, passou à condição de indústria e de ofício, os jornalistas não só perderam o senso moral como também a honestidade intelectual, que consiste em não se falar daquilo que não se sabe.
Deixemos, porém, os venais no lodo e falemos daqueles que, embora divirjam de nós nas idéias e, freqüentemente, só no modo de exprimi-las, são os nossos amigos porque caminham para o mesmo fim que nós caminhamos.
Nestes indivíduos a estupefação é completamente injustificada até ao ponto, que não me repugna acreditar, de julgá-la afetada. Eles não podem ignorar que eu venho dizendo e escrevendo estas coisas há cinqüenta anos; e que, comigo e antes de mim, as disseram e repetiram centenas e milhares de anarquistas.
Mas vamos ao desacordo. Existem os ‘proletários’, isto é, os operários que julgam que pelo fato de terem calos nas mãos, isso significa uma divina infusão de todos os méritos e de todas as virtudes, e que protestam, se alguém tiver o atrevimento de falar do povo e de humanidade, esquecendo-se de jurar sobre o sagrado nome do proletariado.
É verdade que a história fez do proletariado o instrumento principal da próxima transformação social. Assim, aqueles que lutam pelo advento duma sociedade na qual todos seres humanos sejam livres e tenham assegurados os meios para exercer a liberdade, devem apoiar-se principalmente no proletariado.
Visto que o equiparamento das riquezas naturais e do capital, produzidos pelo trabalho das gerações passadas e presentes, é hoje a causa principal da sujeição das massas e de todos os males sociais, é natural que, aqueles que nada possuem, sejam os que, em conseqüência de sua miséria, se sintam mais direta e evidentemente interessados em que se ponham em comum os meios de produção, constituindo assim os agentes naturais da exploração. É por isso que dirigimos a nossa propaganda muito especialmente aos proletários e aqueles que, pelas condições em que se encontram, não tem possibilidades de chegar por si próprios – por meio da reflexão e do estudo – a conceber um ideal superior. Mas, para isto, não é necessário fazer do pobre um fetiche, pelo simples fato dele ser pobre, nem alentar nele a crença de que é duma essência superior, nem que, por uma condição que não é certamente fruto do seu mérito nem da sua vontade, tenha conquistado o direito de fazer aos outros o mal que os outros lhe tenham feito. A tirania das mãos calejadas (que, na prática, é sempre a tirania de uns poucos que, se alguma vez tiveram calos, os deixaram desaparecer) não será menos dura, menos ignominiosa, menos fecunda em males duradouros, do que a tirania das mãos enluvadas. O que ela será é menos ilustrada e mais dura: eis tudo.
A miséria não seria tão horrível como é, se além dos males materiais e da degradação física, não produzisse também, ao prolongar-se de geração em geração o embrutecimento moral. E os pobres têm vícios distintos que não são melhores que os que o poder e a riqueza ocasionam nas classes privilegiadas.
Se a burguesia produz os Giolitti, os Graziani e toda a cumprida série de tiranos da humanidade, desde os grandes conquistadores até os pequenos patrões ambiciosos e usuários, produz também os Reclus, os Cafiero, os Kropotkine e tantos outros que em todas as épocas, tem sacrificado os seus privilégios de classe em homenagem a um ideal. Se o proletariado tem dado e continua a dar tantos heróis e tantos mártires à causa da redenção humana, dá também os guardas brancos, os assassinos, os traidores aos próprios irmãos sem os quais a tirania burguesa não poderia durar um único dia.
Como, pois, se pode elevar o ódio a princípio de justiça, a iluminado sentimento de reivindicação, quando é evidente que o mal está em toda a parte e depende de causas alheias a vontade e a responsabilidade individual?
Faz-se quanta luta de classes, se quiser, se por luta de classe se entende a luta dos exploradores a fim de abolir a exploração. Ela é um meio de elevação moral e material e a principal força revolucionária com que hoje se pode contar. Mas propagandear o ódio não, porque do ódio não podem brotar o amor e a justiça. Do ódio nascem a vingança, o desejo de imperar sobre o inimigo, a necessidade de consolidar a própria superioridade. Com o ódio se obtém um triunfo, podem-se construir novos governos, mas não se pode fundar a anarquia.
Compreendemos bem o ódio em tantos desgraçados que a sociedade tortura, tubercolizando-lhes os corpos e destruindo-lhes os afetos. Logo, porém, que o inferno em que vivem seja iluminado por um ideal, desaparece do seu íntimo o ódio, para dar lugar ao ardente desejo de lutar pelo bem de todos.
É por isso que entre nós não há verdadeiros odientos: há apenas retóricos do ódio. E mesmo estes indivíduos procedem como o poeta que, sendo um pai de família exemplar e pacífico, canta o ódio e prega a destruição, porque encontra nisso a emoção para fazer versos bons... Ou maus. Falam do ódio, é certo; mas o seu ódio é feito de amor.
Eu amo-os porque os compreendo. Ainda que falem mal de mim.
 
Por Errico Malatesta, retirado do periódico anarquista ‘A Plebe’ (São Paulo), 27 de maio de 1922, número 182, página 2.

Sobre as eleições

Publicamos hoje um artigo clássico do anarquista espanhol Manuel Peres Fernandez, que além de ter atuado na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), também militou durante muitos anos no Brasil (Rio de Janeiro), participando do coletivo que produziu o periódico ‘Ação Direta’ (1946-1958). O tema desse texto aborda a questão das eleições, muito propicio para esse momento que estamos vivendo. Leiam & Reflitam & Comentem !!!

TRABALHADOR

Se ainda confias no voto para dar solução aos teus problemas, escuta um momento a palavra veemente da História

MANOEL PERES

            Mais uma vez, os políticos de todas as tendências, com a sua enorme bagagem cheia de promessas demagógicas, batem à porta da tua boa fé para solicitar-te o voto que há de conduzi-los aos cargos culminantes do Estado, nos quais, longe de lutarem pelas tuas justas reivindicações, defenderão os interesses supremos do capitalismo.
            E, mais uma vez, amigo trabalhador, sem quereres compreender a força formidável da tua capacidade criadora e construtiva, acudirás à urna e anularás a tua própria personalidade, ao confiares a outro homem a solução dos teus problemas angustiosos.
           
Escute produtor:

            É, tu que, com gigantesco impulso, moves a alavanca potente do progresso humano. És tu que, construindo cidades e palácios maravilhosos, vives num miserável barracão do morro ou no triste quartinho de uma casa de cômodos vendo os teus filhinhos definhando lentamente com o organismo minado pelo vírus terrível da tuberculose... És tu que desces ao fundo das minas para arrancar as entranhas da terra os ricos minerais que, transformados em máquinas e instrumentos de trabalho, contribuem para o desenvolvimento das indústrias, das ciências, das artes e de todas as atividades indispensáveis à existência do homem. E és tu, finalmente, quem, como suprema ironia, colocando pedra sobre pedra, constrói estatuas gigantescas simbolizando a liberdade, como a que existe à entrada do porto de New York, o que não impede que continues submetido à mais terrível escravidão.       
           
            Como é grande o Brasil

            Muitos trabalhadores não querem estudar os seus próprios problemas, confiando ingenuamente nos líderes, que afirmam demagogicamente: “Eu pensarei por ti e defenderei os teus interesses...” e essa confiança leva-os ao extremo de não acompanharem a evolução humana e ignoram as próprias possibilidades do seu país de origem.
            O Brasil, amigo trabalhador, é um dos maiores países do mundo: a sua extensão territorial é de 8.514.500 quilômetros quadrados, ou seja, maior que toda a Europa excetuando a Rússia! Para compreenderes a sua grandeza, basta saber que a Espanha, com os seus 504.000 quilômetros quadrados, cabe inteira no Estado de São Paulo...
            Pois bem! O continente europeu, muito menor que o Brasil, com todos os vícios e injustiças do regime capitalista, produz o necessário para alimentar uma população de mais de 500 milhões de habitantes e o Brasil, muito maior que toda Europa reunida, tem pouco mais de 50 milhões de habitantes que, ou comem mal, ou morrem lentamente de fome!
            Temos um litoral imenso, com pesca rica e abundante, rios formidáveis como o Amazonas e o Paraíba, minas de ferro, carvão e outros minerais, jazidas petrolíferas, cachoeiras possantíssimas para fornecerem energia elétrica às nossas indústrias e, finalmente, terras fertilíssimas com variedade de climas e em condições – se forem cultivadas – de produzirem o necessário para alimentar com abundância uma população dez vezes superior à que existe em nosso país! E morremos de fome...!

            A Política não resolve esse problema

            Não, amigo trabalhador, a política não soluciona esse problema angustioso, como não conseguiu solucioná-lo em nenhum país do mundo, e prova disto é que a humanidade vive em guerra permanente, guerra provocada pelo capitalismo para afogar em sangue o grito angustioso dos que morrem lentamente vítimas da injustiça social.
            Há 150 anos, com a derrocada do Feudalismo e a Promulgação dos Direitos do Homem, surgiu no mundo o chamado regime capitalista, ou seja, a chamada organização política dos povos. Se é certo que ao homem foi concedida a liberdade política dando-lhe o direito de escolher ele mesmo os seus representantes, não é menos certo que ele continuou submetido à escravidão econômica, já que o Estado que lhe concedia o direito de votar não lhe dava, de igual forma, os elementos indispensáveis para cobrir as necessidades do lar.
            Durante esses 150 anos, a luta entre o capital e o trabalho foi intensa em todo o mundo, e grandes as tragédias provocadas pela ambição dos dominadores e desespero da classe escravizada.
            Nos períodos eleitorais, todos prometiam uma solução justa para os problemas humanos; os líderes proletários aceitavam a luta política e abandonavam os sindicatos para defenderem no parlamento os interesses de seus irmãos de classe. Triste ilusão. Mesmo sendo honrados, esses trabalhadores ou falhavam e retornavam aos seus sindicatos ou eram absorvidos pelo meio ambiente. O mal não estava nos homens, e sim no sistema social, na deficiente organização econômica do mundo.
            E nessa luta pela conquista do poder político, o proletariado internacional viu como desapareciam, devorados pela ambição e pelo egoísmo de uma existência mais cômoda e feliz, mesmo a custa de vergonhas e claudicações, homens que, nos meios operários eram considerados como valores íntegros e positivos.
            E assim fugiram para sempre absorvidos pelo capitalismo, líderes que na praça pública, pregavam a Revolução Social como única solução para conquistar a felicidade humana entre eles, Clemenceau, Aristide Briand, Pierre Laval, fuzilado como traidor após a libertação da França e muitos outros, como o famoso Alejandro Lerroux na Espanha, o ex-revolucionário Mussolini na Itália e os MacDonald na Inglaterra.
            Os povos não querem, compreender que todos os políticos são iguais, e que, por melhores que sejam as intenções dos candidatos, eles nada podem fazer em seu benefício, porque o mal está na organização social, no próprio Estado, na exploração do homem pelo homem, e na maior de todas as injustiças, a Propriedade Privada.

            A Solução Anarquista

            Mentem, ou desconhecem profundamente as correntes ideológicas, os que afirmam que a Anarquia representa a desordem, o caos e a desorganização social. São ingênuos também os que dizem que este ideal é impraticável porque os povos carecem de educação e cultura para viverem num regime de completa liberdade.
            Se aguardarmos que a humanidade seja na sua totalidade anarquista e tenha cultura suficiente para viver livremente, a escravidão do mundo será permanente porque o capitalismo, bastante inteligente, terá, auxiliado pelo clero, o maior cuidado em impedir essa educação, embrutecendo o cérebro dos trabalhadores.
            O anarquismo não destrói, constrói, quer uma organização social que tenha como base fundamental o trabalho ou uma Sociedade de Produtores Livres. Que isso não é uma doutrina de louco, o prova o fato de terem lutado, propagado e defendido o anarquismo homens de indiscutível valor nas ciências, nas artes, na literatura, etc..
            Anarquistas foram Eliseu Reclus, um dos maiores geógrafos do mundo, Pedro Kropotkin, príncipe e escritor russo, Rodolfo Rocker, uma das maiores mentalidades da Alemanha, Romain Rolland, Miguel Bakunin Luiza Michel, Enrique Malatesta, Sebastião Faure, Pietro Gori, Anselmo Lorenso, Ricardo Mella, Federico Urales, Luiz Fabri, muito outros, verdadeiro orgulho para as ciências e progresso humanos.

            O caso da Espanha

            O proletariado espanhol estava agrupado em sindicatos que atuavam a margem de toda influência política e eram verdadeiros centro de educação social. Nele, os trabalhadores analisavam os seus problemas, entre estes, as formas de organizar a produção, a distribuição e o consumo pensando na transformação social, que o próprio capitalismo reconhece ser inevitável.
            Essa capacidade revolucionária foi a causa fundamental de que o fatídico Franco não triunfasse rapidamente nas importantes regiões da Catalunha, Levante e Castilla, onde os trabalhadores lutaram com verdadeiro heroísmo.   

            Valor construtivo

            Ao surgir a sublevação franquista, a maioria dos capitalistas da Catalunha, complicados no movimento fugiram para o exterior abandonando indústrias e fábricas.
            Um proletariado inculto, educado no ambiente político e sem noção exata dos seus problemas teria sucumbido facilmente vendo descontrolada a produção. Tal não aconteceu na Catalunha onde tudo estava previsto.
            As grandes usinas metalúrgicas, entre elas a Hispano-Suíça, com mais de 800 operários, nomearam imediatamente uma comissão de controle e produção que assumiu a direção das mesmas e foi tão formidável a sua atuação e tão consciente a obra dos trabalhadores que a produção aumentou 45 por cento, o que tornou possível a resistência daquele povo heróico durante três anos.
            Da mesma forma que as indústrias, os transportes e as ferrovias funcionaram normalmente sob o controle direto dos sindicatos, sem que ao povo em armas faltasse o necessário para cobrir as suas necessidades durante a luta contra as hordas fascistas.
            O campo foi coletivizado chegando a produção agrícola ao máximo do seu desenvolvimento, o que demonstra, de forma categórica, que o povo tem capacidade suficiente para reger os seus próprios destinos. Se isso foi possível na Espanha em luta titânica contra o fascismo internacional, mais fácil será quando os povos decidirem libertar-se, em união fraternal, do jugo capitalista.
_____
           
            Agora Amigo Trabalhador

            Analisa esses problemas com calma e atenção: medita nas lições da história, no exemplo dos camaradas da Espanha e pensa que, mesmo votando, não conseguirás emancipar-te, porque como afirmavam na Primeira Internacional: “A Emancipação dos Trabalhadores há de ser Obra dos Próprios Trabalhadores.”

Por Manoel Peres, retirado do periódico anarquista ‘Ação Direta’ (Rio de Janeiro), 30 de dezembro de 1946, número 28, ano1, página 1.     

domingo, 5 de agosto de 2012

Mais um clássico...


Mais um texto retirado das páginas da imprensa anarquista brasileira. Desta vez as palavras são de Liev  Tolstoi, que ficou conhecido pelos seus escritos literários, destacando "Guerra e Paz", e entre os anarquistas foi denominado como anarquista cristão. Visando trazer textos que estão próximos de nossas propostas, objetivamos aqui também apresentar um texto de militância de Tolstoi, ou seja, escritos além de sua escrita literária, é como estamos em época de eleições por que não tratar deste tema? Boa Leitura!


Governos e Bandidos


Acontece com os governos o mesmo que com as quadrilhas de bandoleiros: a diferença é que os bandoleiros atacam especialmente os ricos, enquanto os governos abusam, sobretudo, dos pobres e protegem os ricos que os ajudam a praticar os seus crimes.
O bandido da Calábria que impõe um tributo aos que querem livrar-se dos seus assaltos, ao menos arrisca a vida. Os governos não arriscam nada e tudo põem em execução com a mentira permanente e o engano diário. O bandido não forma a sua quadrilha violentamente; mas os governos recrutam os seus exércitos à viva força.
Para o bandido, todos que lhe pagam um tributo desfrutam das mesmas garantias de segurança, para o Estado, os que se aproveitam da força e ajudam o engano,não só se tornam mais protegidos, mas até recompensados, os mais garantidos, uma guarda constante os rodeiam: são os imperadores, os reis, os presidentes, cada um dos quais recebe a maior parte das riquezas que se repartem, arrancadas ao contribuinte, logo, segundo a maior ou menor participação que tenham nos crimes do governo, são garantidos e recompensados os generais, ministros, governadores e assim sucessivamente até os mais modestos policiais. Os menos garantidos são os que recebem menores ordenados.
Os que permanecem alheios as manobras governamentais, os que se negam ao pagamento dos impostos ou ao serviço militar são severamente castigados, o mesmo fazem os bandidos.
O bandido não perverte premeditadamente as suas vítimas, mas os governos para conseguirem os seus propósitos, entregam à depravação gerações inteiras de crianças e adultos, ensinando-lhes doutrinas mentirosas de religião e patriotismo.
Os mais cruéis dos bandidos – Stenka, Racine, Cartouche, Mandrin – pela sua crueldade implacável e refinada, sem recordar aqui os tiranos célebres como Ivan, o Terrível, Luis XI, Izabel, etc..., não podem comparar-se aos governos contemporâneos, constitucionais e liberais, com as suas prisões celulares, os seus batalhões disciplinados, as suas carnificinas, as quais dão o nome de guerras.
Os governos, como as igrejas não devem ser tratados senão com veneração ou com desprezo.
O tempo da veneração vai passando para os governos, apesar de toda hipocrisia que empregam para conservar o seu prestígio.
A hora chega e os homens compreenderão finalmente que os governos são instituições mais que inúteis, daninhas e imorais, as quais nenhuma pessoa honrada deve prestar o seu concurso, nem aceitar os seus favores.

Por Liev Tolstói, retirado do periódico anarquista ‘A Terra Livre’ (São Paulo), 1º de Maio de 1906, número 8, página 3, & também do semanário anarquista, ‘A Vanguarda’ (São Paulo), 23 de Junho de 1921, número 45, página 4.


sábado, 14 de julho de 2012

Retornando...


Após longo período sem atualização, retomamos a ativar o nosso blog. Reiniciamos com a proposta de publicar (ou republicar) textos ácratas extraídos de antigos jornais anarquistas publicados no Brasil. Textos retirados de jornais como "A Terra Livre", "A Guerra Social", "A Plebe", "A Lanterna", "Ação Direta", entre outros, visamos com isso divulgar as ideias que os militantes anarquistas antepassados acreditavam e divulgavam, suas propostas, denúncias e doutrinas. Iniciamos com artigos de militantes clássicos como Kropotkin, Faure, Proudhon e Reclus. Além de autores clássicos, visamos também publicar textos de militantes libertários que atuaram em território brasileiro. Segue os textos: boa leitura e reflexão !

                                                                            “A Ordem



Os que acusam a anarquia de ser a negação da ordem, não falam da harmonia do futuro; falam da ordem como ela é concebida na sociedade atual.
Atualmente, a ordem – o que eles entendem por ordem – são os nove décimos da humanidade trabalhando para procurar o luxo, os gozos, a satisfação das paixões mais execráveis, para um punhado de mandriões.
A ordem é a privação para estes nove décimos, de tudo que é a condição necessária de uma vida higiênica, de um desenvolvimento das faculdades intelectuais. Reduzir nove décimos da humanidade a um estado de bestas de carga, vivendo dia a dia, sem nunca se atrever a pensar nos gozos dados ao homem pelo estudo das ciências, pela criação artística – eis a ordem.
A ordem é a fome e a miséria tornadas em estado normal da sociedade. É o aldeão irlandês morrendo de fome; é o aldeão dum terço da Rússia morrendo de difteria, de tifo, de penúria, no meio dos montões de cereais que vão para o estrangeiro. É o povo da Itália deixando o seu campo luxuriante, para vaguear pela Europa, procurando um buraco onde vegete na miséria. É a terra roubada ao camponês, para criação de gado, que servirá para alimentar os ricos; é a terra deixada inculta, de preferência a ser restituída para aquele que não pede mais do que cultivá-la.
A ordem é a mulher que se vende para dar alimento aos filhos, é a criança reduzida a ser encerrada numa fábrica, ou a morrer de inanição, é o operário reduzido ao estado de máquina.
É o fantasma do operário revoltado às portas dos ricos, o fantasma do povo revoltado às portas dos governantes.
A ordem é a minoria ínfima, subida às cadeiras governamentais, que se impõe por esta razão à maioria e que educa os filhos para exercerem mais tarde as mesmas funções, a fim de manter os mesmos privilégios, pela astúcia, pela corrupção, pela força, pelo morticínio.
A ordem é a guerra constante do homem ao homem, de ofício à ofício, de classe à classe, de nação à nação.
É o canhão que não cessa de roncar na Europa, é a devastação dos campos, o sacrifício de gerações inteiras nos campos de batalha, a destruição em um ano de riquezas acumuladas em séculos de trabalho rude.
A ordem é a servidão, o pensamento acorrentado, o envilecimento da raça humana, mantido pelo ferro e pelo chicote. É a morte repentina, pelo grisu, de centenas de mineiros despedaçados ou enterrados todos os anos pela cobiça dos patrões, e metralhados, desde que se atrevam a queixar-se.
A ordem, enfim, é o afogamento em sangue da Comuna de Paris. É a morte de trinta e cinco mil homens, mulheres e crianças, maltratados, enterrados com cal viva nas ruas de Paris.
É o destino da mocidade russa, nas prisões, enterrada no gelo da Sibéria e onde os melhores, os mais puros, os mais dedicados, morrem enforcados.
Eis a ordem.

Piotr Kropotkin

Retirado do periódico anarquista ‘A Terra Livre’ (São Paulo), 12 de Abril de 1906, número 7, página 1, & também do ‘Boletim da Federação Operária do Estado Rio de Janeiro’, Setembro de 1921, número 7, página 3. Publicado originalmente no livro ‘Palavras De Um Revoltado’ (‘Paroles D’Un Révolté’), 1885.


O que nós queremos



Milhões de seres humanos trabalham dez ou doze horas diárias, em odiosas condições em troca de um salário insuficiente.
Milhões de velhos que, durante uns vinte e cinco, trinta e quarenta anos laboriosamente têm formado a riqueza pública e edificado fortunas particulares, estendem as mãos calosas e descarnadas aos transeuntes, ou solicitam a sua entrada para os asilos.      
Milhões de crianças encantadoras e inocentes que precisam do alimento e da cultura indispensáveis.
Milhões de mulheres belas feitas para provocar e gozar o amor procuram no tráfico vergonhoso da sua carne o pão que lhes é necessário.
Milhões de seres vigorosos e belos em vão procuram trabalho e, sem o encontrar, morrem na miséria.
Milhões de jovens são arrancados ao campo, à oficina, à família e aos seus amores, na previsão de matanças incompreensíveis e criminosas.
Milhões de desgraçados aquém a miséria, a ignorância e a opressão forçam fatalmente a infringir a lei feita contra eles gemem nos cárceres e nos presídios.
Toda a pessoa inteligente e de coração deve querer que isto termine.
Intrigantes e ambiciosos, investidos de um mandato pela candidez popular, farsantes e imbecis revestidos de uma função pela complacência governamental, saqueiam, as mãos cheias e sujas, o tesouro público alimentado pelos trabalhadores.
Os ministros de um Deus ridículo apóiam sobre o abandono dos dogmas e a metafísica religiosa, o domínio de uma classe e os privilégios que a acompanham.
Na sua ignorância e no seu hábito de servidão, as multidões aclamam os que as esmagam e exploram; inclinam-se respeitosas ante os grandes que as desprezam ou as adulam e seguem passivamente os conselhos dos anestesiadores e dos que pregam a resignação.
Todos os espíritos emancipados e todos os corações generosos desejam que isto tenha um fim.
Viver, ser ditosos, ser livres... Eis aqui o que nós queremos.
Gozar o bem estar físico assegurado por uma alimentação sã e abundante, boa roupa e uma habitação confortável.
Cultivar a nossa inteligência, desenvolver os nossos conhecimentos, enriquecer o nosso cérebro com novas verdades, regozijar os nossos olhos na contemplação das grandes obras de arte e da natureza, deliciar os nossos ouvidos com o encanto das puras harmonias, estudar com espírito independente os problemas da vida, passear livremente a nossa curiosidade através do mundo das realidades e das observações, pensar o que nos inspira a nossa razão ilustrada e confiar a nossa intrépida língua a expressão sincera do pensamento.                    
Eis aqui o que nós queremos!
E queremos também fundar o mais breve possível um meio social favorável ao desenvolvimento integral da personalidade humana, pelo livre exercício das forças que em nós se agitam e das paixões que nos movem, pelo desenvolvimento moral das nossas afinidades, pela nobre irradiação das nossas simpatias.
É necessário pedir à vida todas as alegrias que ela contém.
Eu sei bem que querer e proclamar isto é expormo-nos a ser tratados como malfeitores.
Que importa!
Propagadores voluntários de uma ideia justa e bela consideramos sem desfalecimentos as consequências da batalha, sendo para nós mais penoso ficar inativos no seio da peleja que correr os riscos próprios da luta.
Se é ser malfeitor querer o fim da miséria, da ignorância e das guerras; se é ser malfeitor preparar o advento de uma sociedade de concórdia, de saber, de abundância e de harmonia, nós somos malfeitores, aceitamos o epíteto e reivindicamo-lo com orgulhosa dignidade.
Abandonem os adversários a esperança de nos desarmar; não somos daqueles a quem se intimida nem a quem se corrompe.
O espírito de independência desenvolve-se e fortifica-se no seio das novas gerações; um sopro de emancipação começa a dar vida a este deserto. O escravo quer conquistar o seu lugar de homem livre. Certamente queremos ser ditosos, mas, pois que é possível, queremos que o sejam todos, porque não poderíamos rir quando os outros choram, cantar quando os outros gemem.
Eis aqui o que nós queremos, com todo o poder da nossa firmeza, com toda a energia da nossa perseverança.
Também o que queres, tu, que me lês? Queres viver, ser ditoso, ser livre? Queres que cada um seja livre, ditoso e que viva?... Sim? – Pois bem, depende de ti, de mim, de todos nós, que esta magnífica aspiração se converta em realidade. Se o queres resoluta e lealmente, despede-te, abandona, se preciso for, família, amizade, posições; foge da atmosfera pestilenta das igrejas, dos quartéis, dos parlamentos, e vem, vem combater livremente no meio dos homens livres.

                                                                                                                    Sébastien Faure

Retirado do periódico anarquista ‘A Guerra Social’ (Rio de Janeiro), 14 de Setembro de 1912, número 27, página 3, & também do periódico anarquista ‘A Revolta!’ (Santos), 14 de Novembro de 1913, número 5, página 1.


O que não queremos


           
Não queremos Estado porque o Estado, pseudo-mandatário é servidor do povo, por procuração geral e ilimitada dos eleitores, mal nasce logo cria para si um interesse a parte, muitas vezes contrário ao interesse do povo; porque, servindo esse interesse, faz dos funcionários públicos criaturas suas, resultando daqui o nepotismo, a corrupção, e pouco a pouco a formação duma casta oficial, tão inimiga do trabalho como da liberdade... 
Não queremos Estado porque o Estado, para engrandecer o seu poder extrapopular, tende a multiplicar indefinidamente os seus empregados; depois, para se os prender cada vez mais, a aumentar-lhes continuamente os vencimentos...
Não queremos Estado porque, quando o imposto já não basta as suas dilapidações, ao desempenho dos seus favores e sinecuras, o Estado recorre aos empréstimos e desfalques, e depois de ter empalmado o dinheiro alheio, ainda acha meio de obter aplauso para as suas rapinas...
Não queremos Estado, porque desejaríamos limpar a sociedade de tudo o que se chama bancarroteiros, usurários, abutres, agiotas, ladrões, gatunos, estelionatários, concessionários, falsários, moedeiros falsos, prestímanos, parasitas, hipócritas e homens de Estado; porque a nosso ver todos os homens de Estado se assemelham e todos são, com gradações, comedores de carne humana, no dizer Catão.

Pierre-Joseph  Proudhon

Retirado do periódico anarquista ‘A Guerra Social’ (Rio de Janeiro), 14 de Setembro de 1912, número 27, página 3


Élisée Reclus Fala aos Jovens

           
Queridos camaradas:

Temos, em geral, o costume de exagerar tanto nossa força quanto nossa debilidade; assim, durante épocas revolucionárias, nos parece que o menor de nossos atos deva ter consequências incalculáveis e, ao contrário, em certo marasmo, toda a nossa vida, ainda que consagrada inteiramente ao trabalho, nos parece infecunda e inútil.
Que devemos fazer então para mantermo-nos em estado de vigor intelectual, de atividade moral e de fé no bom combate?
Dirigi-vos a mim, porque supondes que tenho experiência dos homens e das coisas.
Pois bem, em minha qualidade de ancião, me dirijo aos jovens para dizer-lhes:
Fora as querelas e personalismos. Escutai os argumentos contrários depois de haver expostos os vossos; sabei calar e refletir; não procureis ter razão em detrimento da vossa sinceridade.
Estudai com discernimento e perseverança. O entusiasmo e a abnegação, ainda que até a morte, não são o único meio de servir a causa. É fácil dar a vida; nem sempre fácil conduzirmo-nos de modo que nossa vida sirva de exemplo. O revolucionário consciente não é somente homem de sentimento, é também homem de raciocínio, cujos esforços totais em procura de maior justiça e solidariedade se apóiam sobre conhecimentos exatos e sintéticos de história, sociologia, biologia. É o que pode, por assim dizer, incorporar suas ideias pessoais ao conjunto genérico das ciências humanas e enfrentar a luta sustentado pela imensa força que esgotará em seus conhecimentos.
Evitai as classificações; acima de partidos e pátrias, de proclamar-vos russo, polaco ou eslavo, sede homens ávidos de conhecer a verdade, despojados de todo pensamento de interesse, de toda ideia de especulação ante chineses, africanos ou europeus; o patriota chega a detestar o estrangeiro, a perder o sentimento de justiça que alimenta seu mais puro entusiasmo.
Não vos atreleis a patrão, chefe ou apostolo cuja linguagem seja considerada palavra do Evangelho; fugi dos ídolos e não busqueis mais que a verdade de quando diga o amigo mais querido ou do professor mais sábio. Se, escutando-o conservais alguma dúvida, buscai em vossa consciência e recomeçai o exame para julgar em última instância.
Refugai, pois, toda autoridade, para cingir-vos ao respeito profundo de uma convicção sincera, vivei a própria vida, porem reconhecei a cada um inteira liberdade de viver a própria.
Se vós lançais a luta para vos sacrificardes em defesa dos humilhados e ofendidos, em boa hora, companheiros, afrontai nobremente a morte. Se preferes o lento e paciente trabalho ansiando por melhor provir, melhor ainda convertei-vos no objeto de cada um dos instantes de vida generosa. Porém, se escolheis a pobreza entre os pobres, em completa solidariedade com os que sofrem, que vossa existência irradie a claridade benfeitora, no exemplo perfeito e no fecundo ensinamento.            

                    Saúde, camaradas!

Retirado do periódico anarquista Ação Direta (Rio de Janeiro) –– Outubro e Novembro de 1952, nº83, ano 6, p. 3.

                              







quinta-feira, 5 de abril de 2012

Entrevista sobre "Cultura Libertária" na Rádio da Juventude

No dia 31 de abril, membros do Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri estiveram na Rádio da Juventude, em São Vicente, onde juntos com estes companheiros coletivizaram informações sobre "Cultura Libertária", através de uma entrevista/debate. A entrevista pode ser vista, e ouvida, no link abaixo. Seguimos na luta, companheiros!

Reflexão e Ação: Cultura Libertária - Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri

 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Cinema & Anarquia: "Louise Michel: a rebelde"

Realizou-se no dia 17/03/2012 mais uma sessão Cinema & Anarquia, na Cinemateca de Santos, desta vez com a exibição do filme: “Louise Michel: a rebelde”. A escolha deste filme foi em decorrência de duas datas como referências de lutas sociais: o dia 8 de março, dia Internacional da Mulher; e o dia 18 de março, em comemoração aos 141 anos do início da Comuna de Paris. Antes de o filme ser exibido, houve uma rápida apresentação de um militante do Núcleo de estudos Libertários Carlo Aldegheri, narrando uma breve história do dia 8 de março, as contradições de fatos e os mitos que ocorrem em torno desta data, sem esquecer a importância do protagonismo feminino, e realizando na sequência leitura de um poema de Martins Fontes, poeta santista e anarquista, em homenagem a Louise Michel, sendo seguido do filme. Após o encerramento do filme, militantes do Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri discorreram sobre a Comuna de Paris e da biografia de Louise Michel, tratando de sua história e a importância da mesma como referência em nossa atualidade. Mais uma vez houve um bom público, que participou do debate com perguntas e apresentação de experiências, o que nos motiva a continuar a acreditar na possibilidade da construção de uma sociedade libertária. Agradecemos aqui a presença dos companheiros do Centro de Cultura Social, de São Paulo, que contribuíram também com a exposição e o debate.

1º Círculo de Ideias e Afinidades Anarquistas

Nossas próximas atividades...


Entrevista com Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri sobre:                 “Cultura Anarquista” – dia 31/03/2012 – 18:30 horas – Rádio da Juventude:
http://radiodajuventude. wordpress.com

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

3 artigos de José Oiticica

Segue abaixo três artigos de José Oiticica: Contra o Sectarismo (1929), O Espírito da Ação Direta (1929) e Federação Anarquista Brasileira (1932). Artigos publicados originalmente nos jornais Ação Direta (os dois primeiros) e A Plebe, textos que tem como princípio a solidariedade entre anarquistas e o fortalecimento do movimento anarquista sem deixar de abandonar as lutas sociais. Vale a leitura e a reflexão.


Contra o Sectarismo
O espírito anárquico é essencialmente avesso a quaisquer fanatismos. Sendo ânsia de liberdade, não pode querer dogmas, nem disciplinas, nem mandamentos humanos ou divinos e, muito menos, inquisições, santos-ofícios, índices e autos-de-fé. Pregando o trabalho livre, o pensamento livre, o amor livre, a ação livre, não aceita nenhuma limitação às faculdades intelectuais ou emotivas, nem reconhece bitolas, cremalheiras, pautas, à exteriorização de idéias ou sentimentos. Só o indivíduo tem o direito de dirigir seu raciocínio, regular sua linguagem, enfrentar seu estilo, moderar seu juízo, orientar sua ação.
O anarquismo combate a todo transe o despotismo de qualquer feição, o feitorismo de toda casta, tudo quanto lembre mandonismo, chefia, canga, subserviência, dominação física, mental ou moral. Assim, repele o regime carcerário do capitalismo, condena as fábricas de doutores, padres, militares, homens vazados num molde único, manequins talhados num só modelo, manipanços cujo enchimento é a mesma palha seca. Só o indivíduo conhece os seus caminhos. Impor, ao que pende para o norte, a marcha para leste, é roubar-lhe o destino, a vida, a personalidade.  
Esses princípios, nós, anarquistas, aplicamo-los rigorosamente na luta pela emancipação dos homens. E, dizendo "dos homens", firo um ponto essencial do anarquismo. O anarquismo não visa apenas a emancipar os trabalhadores, pretende emancipar os homens. Seu problema é muito mais vasto que o dos políticos ou socialistas de qualquer feição. Acima da mera emancipação econômica, está certamente a emancipação moral e mental. Além do trabalho livre, está o pensamento livre e a ação livre.
 Libertar os homens do patrão é muito, mas não é tudo. Cumpre arrancá-lo à tutela dos guias, políticos ou religiosos, e à tirania das "morais", criações de opressores para fanatizar escravos. Destarte, não compreendemos um revolucionário cuja ação promana de uma servidão. Como instituir um regime livre se não nos desvencilhamos das algemas tradicionais? Como pretender uma vida livre, se vivemos impondo regras e ouvindo ordens? Como desejar o homem "pôr si", habituando-nos, a nós e aos outros, a disciplinas vexatórias, censuras obsoletas e punições degradantes?
Mal compenetrados dessa concepção de liberdade, vários anarquistas lamentam as divergências de atuação entre anarquistas. Pior ainda, lêem-se freqüentemente acusações de anarquistas-individualistas a anarquistas-comunistas, de anarco-sindicalistas e extra-sindicalistas, etc., etc. Todos esses ataques e lamentações revelam a tendência sectarista milenarmente entranhada nos homens. Pôr mais que estudemos, aprendamos, eduquemos o espírito, a pressão tradicional é tão forte, o meio ambiente, todo dogmático, registra, engaiolante, é tão rígido, que dificilmente conseguimos nos safar dessas determinantes poderosas.
Pessoalmente, ao contrário, vejo nessas várias tendências anárquicas o melhor sinal de vida do anarquismo. Todos os homens não podem ver as coisas do mesmo modo, nem resolver os problemas pelo mesmo processo. A transformação social é um problema com soluções múltiplas. Nós, anarquistas, apresentamos a nossa. Porém, não a apresentamos do mesmo modo. A beleza da nossa concepção e a superioridade do nosso método estão positivamente nessa multiplicidade de meios, todos conducentes a um mesmo fim. Seja, pois, cada tendência livre na execução do seu modo de entender a solução final. Todas as águas afluentes irão dar na mesma foz.
O verdadeiro anarquista, penso eu, aquele que se libertou totalmente do preconceito sectarista, colabora em todos os grupos, atua em qualquer tendência. Mais ainda, coopera com os não-anarquistas onde quer que a ação deles incremente a oposição revolucionária. Assim, é anticlerical com os anticlericais; é democrático na defesa dos princípios liberais contra os reacionários; está com os bolchevistas, sempre que estes reivindiquem direitos, reforça a ala antimilitarista, ainda que os antimilitaristas sejam burgueses; colabora com a escola moderna racionalista, conquanto não seja senão reformista; anima os teósofos na propaganda fraternista, os vegetarianos na extirpação dos vícios, o próprio Estado Liberal na sua luta contra o imperialismo vaticanista.
Não proceder assim, seria confinar-se ao sectarismo e negar, nos atos, a doutrina anarquista, essencialmente anti-sectária.10.01.1929
José Oiticica - Publicado originalmente no jornal carioca Ação Direta, em 10.01.1929, e republicado em: Oiticica, J. Ação Direta – Rio de Janeiro; Germinal, 1970. p. 96 – 98.



O Espírito da Ação Direta

            Num dos últimos números do jornal anarquista “l’em dehors”, de Armand, em uma fórmula preciosa de onde se resume quanto escrevi no meu artigo Contra o sectarismo. A fórmula está subordinada ao título O consenso anarquista e enfeixa alguns conceitos segundo os quais podem, perfeitamente bem, manter-se acordo, entendimento, boa harmonia, consenso entre os muitos modos de ver a questão social sob o aspecto ácrata.
            Eis a fórmula: “Não caminhar, obrigatoriamente, a passo igual, nem regular, constrangidamente, o teu passo pelo passo do isolado que corre adiante de ti, ou da associação que segue atrás de ti. A cada qual seu ritmo, suas afinidades; a cada qual segundo os termos do contrato de marcha, que tenha livremente assinado. Não se envolver com a cadência do vizinho! Não intervir no andamento do grupo ao lado; não resmungar contra as evoluções daqueles que preferem os margeamentos à estrada larga, os sombreados às clareiras, e vice-versa. Caminho livre a todos os gêneros de marcha: passo de corrida, passo acelerado, passo de passeio, passo sem destino. É esse o espírito do consenso anarquista”.
            Perfeitamente bem. O maior impeço tem sido sempre esse de querer fazer predominar sua opinião, seu modo de ver, sua vontade, sobre a do vizinho, do camarada, do grupo, do sindicato. Esse espírito de independência, aliado ao espírito de retraimento (independência de sua opinião e dos seus atos, retraimento ante a opinião e os atos do vizinho), eis a força real do anarquismo, o seu traço distintivo, o aspecto que o separa fundamentalmente de outros credos revolucionários, calcados na disciplina, no programa único, nos batalhões de ferro, no passo de soldado, em quanto figurino dispersonalizante o vicio burguês inventa e propõe às massas descontentes.      
            Esta legislação social não se limita hoje a um só país, mas ganha terreno em todos os países e encontra sua expressão na atividade da Oficina Internacional de Trabalho de Genebra. As insignificantes melhorias recomendadas em certas cousas para algumas categorias de trabalhadores pelos acordos da O.I.T., ratificados pelos governos, não podem ser comparadas com os incompreensíveis prejuízos produzidos no domínio moral com o aniquilamento do espírito revolucionário, que é a melhor herança das revoluções passadas e pertence aos mais sagrados bens da classe oprimida.              
            Por louvável que seja o esforço por um melhoramento geral da situação do proletariado de todos os países – como, por exemplo, a aplicação internacional de uma jornada de trabalho única e um salário efetivo, igual para os obreiros do mundo inteiro – esforço que é aprovado e apoiado pelo Congresso da A.I.T., Associação Internacional dos Trabalhadores, de orientação anarco-sindicalista – não se deve, por outro lado deixar de indicar que a legislação nacional e internacional é um caminho que não se pode conduzir-nos a esse fim; essa legislação é só o refúgio de um movimento obreiro espiritualmente desagregado.   
            Isso nos faculta a liberdade de nortear a nossa atividade para onde mais sentirmos penderem o nosso espírito e os nossos gostos. Um compraz-se no combate ao clericalismo; outro deseja dedicar-se a edição de panfletos, folhetos, revistas; outro deseja dedicar-se a o anti-militarismo; este revela-se naturista apaixonado; aquele sente-se organizador de sindicatos e grupos; esse outro consagra-se a educação racionalista, etc., etc. E em cada um desses departamentos da atividade acrática, nem todos sentem a luta do mesmo modo: um é de natureza moderado, persuasivo, discutidor; o outro é violento, arrebatado, mais ação que palavras, mais fatos que discursos.
            Com tentar reger esses temperamentos diversíssimos pelo mesmo compasso? Como querer julgar nosso vizinho por nós mesmos? Como sonhar um padrão, um metro, um código para essa espontânea manifestação da revolta e esse fremente treinamento, rumo à emancipação?
            Devemos, pois, na avaliação do trabalho de cada qual, examinar os resultados e concluir se eles são parcos ou nulos, não pela condenação ou menosprezo do camarada, mas pela deficiência dos seus meios e métodos. A experiência de uns será vantajosa para os outros, e evitar-se-ão essas estreitas dissidências, fruto constante da intolerância, restos de um autoritarismo secular, que a tradição, mau-grado nosso, o meio capitalista, infundem ainda ou conservam em nosso subconsciente.  
            A fórmula de E. Armand deve gravar-se na memória de todos os anarquistas e ter lição constante para entendimento mútuo e harmonia entre militantes.

José Oiticica - Publicado originalmente no jornal carioca Ação Direta, em 15/02/1929, e republicado em: Oiticica, J. Ação Direta – Rio de Janeiro; Germinal, 1970. p. 99 – 101.



Federação Anarquista Brasileira

            O grande camarada Nestor Makhno, logo no começo do seu admirável livro sobre a Revolução Russa na Ucrânia, primeiro de uma série acerca do formidável movimento por ele chefiado, conta-nos os seus primeiros planos revolucionários ao sair da prisão, em 2 de março de 1917.
            Diz ele: “Eu estava vivamente preocupado com a insuficiência de minha educação teórica e minha ignorância dos dados positivos que me teriam permitido resolver os problemas sociais e políticos, segundo o modo de ver anárquico. Eu sabia, aliás, que tal sucedia, nove vezes em dez, nos meios anarquistas e que esse triste estado de coisas decorria da falta, entre nós, de toda a organização e também de escolas anarquistas. Não sentia menos profundamente essa lacuna, nem cessava de sofrer com isso. Só me consolava e dava coragem a esperança de que tal estado de coisas não perduraria, eu estava, com efeito, persuadido que o trabalho ao ar livre, dentro de um movimento revolucionário intenso, demonstraria, com evidencia, aos anarquistas a necessidade de criar uma organização poderosa, capaz de  levar a peleja todas as forças anarquistas e organizar um movimento de conjunto, coerente e consciente do fim a atingir”.
            E adiante volta ao assunto: “A fragmentação dos grupos anarquistas existente antes da Revolução, não me satisfazia. Uma tática não baseada na coordenação está condenada a permanecer estéril, dizia eu. É impotente para agrupar as forças dos trabalhadores correlativamente ao entusiasmo das grandes massas revolucionarias no momento dos atos destruidores, da Revolução. Nessas condições, os anarquistas partidários de tal modo de ação devem ou separar-se dos acontecimentos e imobilizar-se na propaganda sectária, ou então arrastar-se na cauda dos acontecimentos, não assumindo mais papeis secundários, trabalhando assim em proveito de seus adversários políticos”. Essa necessidade, imprescindível de uma organização dos anarquistas sentiram-na e sentem-na, mais que todos, os nossos incansáveis companheiros da “Federação Anarquista Ibérica”, na Espanha.
            No seu órgão oficial “El Libertario” de 24 de setembro último, publica José Bonel um artigo intitulado: “Necessidade da organização anarquista”. O artigo refere-se ao dissídio entre anarquistas individualistas e anarquistas organizadores, mostrando a insubsistência do individualismo no embate atual: “A necessidade da organização impõem-se, diz ele. Nada mais lógico e justo, quando há muitos que desejam a mesma coisa, que procurem acordar-se relativamente ao modo de alcançá-la, sobretudo, quando essa coisa está sequestrada pelo Estado, e dispõe de uma série de instrumentos tirânicos e coercitivos, protetores seus. Hoje, dada a situação que atravessamos não é só dever dos anarquistas pensar na organização, mas também cumpre-lhes estruturá-la de maneira que, sem deixar de ser anarquista, mais eficaz se mostre”. 
            Ora, correspondendo a esse anelo, vemos o surpreendente surto da “Federação Anarquista Ibérica” após a destronização de Afonsinho. Só neste ano de 1932, mais de mil associados anarquistas se criaram e aderiram a Federação, adicionando-se a mais de mil outras já formadas o ano passado. De modo que, na Espanha, temos perto de 2500 conjuntos anárquicos articulados num organismo federativo que, sem tirar, a nenhuma das componentes, sua iniciativa, sua liberdade ou seu caráter, as congrega, informa e ilustra para o ataque decisivo.
            Essa necessidade sinto-a eu e de certo sentem todos o anarquistas do Brasil. Eis porque escrevi aos camaradas da Espanha sobre o desejo nosso de promover a Federação Anarquista Brasileira e pô-la em ligação interna com a F.A.I.. Nesta, é bom notar, já se acha incorporada a “Federação Anarquista Portuguesa”, refundição dos organismos anarquistas de Portugal.
            A formidanda atividade revolucionária dos camaradas espanhóis está evidenciando a iniludível alta vantagem de coordenarem-se as forças anárquicas, em que pese ao dissolvente individualismo de alguns camaradas.
            Eis porque abro aqui, na “Plebe”, esta questão propondo a exame este para mim relevantissimo tema, o de uma “Federação anarquista Brasileira” que ligue e coordene todos os grupos libertários do Brasil numa ação de conjunto.
            Rio – 28-11-932

José Oiticica – publicado originalmente em: A Plebe, São Paulo, 17.12.1932, nº4. p. 3